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Gregory Elich*

 

Os meses pela frente parecem negros. A menos que a China e a Rússia possam encontrar um meio de se oporem aos desígnios dos EUA sem se tornarem alvos eles próprios, o povo norte-coreano ficará sozinho e arcará o fardo da malícia de Trump. Diz algo do seu carácter o facto de se recusarem a ser intimidados.

 

 

Em meio a novas conversas da administração Trump acerca de uma opção militar contra a Coreia do Norte há um facto importante que não é noticiado. Os Estados Unidos já estão em guerra com a República Democrática e Popular da Coreia (RDPC, o nome formal da Coreia do Norte). Eles fazem-na através de meios não militares, com o objetivo de induzir o colapso económico. Num certo sentido, esta política é uma continuação da “estratégia da paciência” da administração Obama com esteroides, em que esta junta uma recusa a envolver-se na diplomacia à acumulação de sanções que constitui uma punição coletiva a toda a população norte-coreana.

 

Dizem-nos que a resolução 2375 do Conselho de Segurança da ONU, aprovada em 11 de setembro, foi “amenizada” de modo a obter o acordo chinês e russo. Em termos relativos, isto é verdade, pois a minuta original quando submetida às Nações Unidas apelava a medidas extremas, tais como embargo total de petróleo. Contudo, os média ocidentais dão a impressão de que a resolução, tal como aprovada, é moderada ou principalmente simbólica. Nada poderia estar mais longe da verdade.

 

A resolução, em tandem com a sanção anterior e em particular com a resolução 2371, de 5 de agosto, destina-se diretamente a infligir miséria económica. Dentre outras coisas, as sanções de agosto proíbem a Coreia do Norte de exportar carvão, ferro, minério de ferro, chumbo, minério de chumbo e produtos do mar, commodities chave do comércio internacional da nação. A resolução também proíbe países de abrirem novas joint ventures na RDPC ou expandirem as existentes.

 

A resolução de setembro, mais uma vez, constrange a capacidade da Coreia do Norte de ocupar-se com comércio internacional regular, ao proibir a exportação de têxteis. Estima-se que, em conjunto, as sanções eliminem 90 por cento dos ganhos de exportação da RDPC. As divisas estrangeiras são essenciais para a operação regular de qualquer economia moderna e responsáveis dos EUA esperam que, ao bloquear a capacidade da Coreia do Norte de ganhar suficientes divisas estrangeiras, as resoluções tratarão de paralisar a economia. Para os estimados 100 a 200 mil trabalhadores têxteis da Coreia do Norte, o impacto será imediato, mergulhando a maior parte deles no desemprego. “Se o objetivo das sanções é criar dificuldades para trabalhadores comuns e a sua capacidade de ganhar a vida, então uma proibição dos têxteis funcionará”, observa ironicamente o especialista Paul Tija.

 

Com cerca de oitenta por cento da sua terra em terreno montanhoso, a Coreia do Norte tem uma quantidade limitada de terra arável e o país tipicamente preenche o seu gap alimentar através de importações. A redução drástica de chuvas durante a estação de plantio de abril-junho deste ano reduziu a quantidade de água disponível para irrigação e prejudicou a sementeira. A monitoragem de satélite indica que os rendimentos das colheitas estão provavelmente bem abaixo do normal. Para compensar o défice, a RDPC aumentou significativamente as importações. Por quanto tempo ela pode continuar a fazer isso está para ser visto, face às reservas minguantes de divisas externas. Com efeito, ao bloquear a capacidade da Coreia do Norte de participar no comércio internacional, os Estados Unidos tiveram êxito em transformar alimentos em armas, ao negar à Coreia do Norte os meios de proporcionar um abastecimento adequado ao seu povo.

 

A resolução de setembro também impacta negativamente os meios de subsistência de trabalhadores da Coreia do Norte no exterior, aos quais não será permitido renovar seus contratos quanto expirarem. Eles só podem aguardar serem expelidos dos seus empregos e expulsos dos seus lares.

 

A parceria internacional é desencorajada, pois a resolução proíbe “a abertura, manutenção e operação de todas as ‘joint ventures’ e entidades cooperativas, novas e existentes”, o que, de facto, mata permanentemente qualquer perspetiva quanto à reabertura do Complexo Industrial Kaesong. Com apenas duas exceções, todas as operações correntes são obrigadas a encerrar dentro de quatro meses.

 

É imposto um limite à quantidade de petróleo que a Coreia do Norte pode importar, a qual representa uma redução de 30 por cento em relação aos níveis atuais, assim como uma proibição total à importação de gás natural e condensados. Muitas fábricas e instalações manufatureiras podem ser forçadas a encerrar quando não mais dispuserem de maquinaria operacional. Para a pessoa média, há agruras pela frente quando o Inverno se aproxima e muitos lares e escritórios não puderem mais ser aquecidos.

 

O que tem isto tudo a ver com o programa nuclear da Coreia do Norte? Nada. As sanções são uma expressão de pura malevolência. A vingança está a atingir todo cidadão da Coreia do Norte para promover o objetivo estado-unidense de dominação geopolítica da Ásia-Pacífico.

 

Tal como a Coreia do Norte, a Índia, Paquistão e Israel não são signatários do tratado de não proliferação nuclear e dispõem de arsenais nucleares e de mísseis. A Índia e o Paquistão lançaram ICBM no princípio deste ano. A Coreia do Norte é destacada para punição, ao passo que os outros recebem ajuda estado-unidense. Não há aqui princípios em jogo. Quanto a isso, há algo de indecoroso nos Estados Unidos, com mais de um milhar de testes nucleares, a denunciar a Coreia do Norte pelos seus seis testes. Os EUA, tendo lançado quatro ICBM este ano, condenam a RDPC por lançar metade daquele número. Não será absurdo que os Estados Unidos, com o seu longo registo nos anos recentes de bombardeamentos, invasões, ameaças e derrubes de governos de outros países acusem a Coreia do Norte, a qual tem estado em paz durante várias décadas, de ser uma ameaça internacional?

 

A Coreia do Norte observou o destino da Jugoslávia, Iraque e Líbia e concluiu que só uma dissuasão nuclear poderia impedir os Estados Unidos de atacá-la. É a “ameaça” de a Coreia do Norte ser capaz de defender-se a si própria que provocou a ira dos EUA numa escala espetacular.

 

A guerra dos EUA à Coreia do Norte não se limita às sanções da ONU. Numa audiência recente, o presidente do Comité de Assuntos Estrangeiros da Câmara apelou a que bancos chineses que fizessem negócios comuns com a Coreia do Norte fossem visados. “Podemos designar bancos e companhias chinesas unilateralmente, dando-lhes uma escolha entre fazer negócios com a Coreia do Norte ou os Estados Unidos... Não se trata apenas da China. Deveríamos perseguir bancos e companhias em outros países que mesmo assim façam negócios com a Coreia do Norte... Deveríamos pressionar países a terminarem todo o comércio com a Coreia do Norte”.

 

Na mesma audiência, o secretário assistente do Tesouro, Marshall Billingslea, mencionou que, em junho, o seu departamento havia trabalhado com o Departamento da Justiça para por na lista negra a Independent Petroleum Company, da Rússia, bem como indivíduos e companhias associadas, por terem despachado petróleo para a Coreia do Norte. Apesar do facto de naquele momento não haver qualquer proibição a tal comércio, os EUA apresaram cerca de US$7 milhões pertencentes àquela companhia e aos seus parceiros.

 

A secretária de Estado assistente interina, Susan Thornton foi, no mínimo, mais agressiva na sua retórica do que seu colegas, anunciando que “continuaremos a apelar a todos os países para cortarem laços comerciais com Pyongyang, a fim de aumentar o isolamento financeiro da Coreia do Norte e deter suas fontes de receitas”. Ela preveniu a China e a Rússia de que devem anuir às exigências estado-unidenses, advertindo-os de que, se “não atuarem, utilizaremos as ferramentas que temos à nossa disposição. Só no mês passado ensaiamos novas sanções destinadas a indivíduos e entidades russos e chineses que apoiam a RDPC”.

 

O secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, também distribui ameaças, assim como adverte a China de que suas ações contra a Coreia do Norte deixarem de cumprir expetativas dos EUA – “aplicaremos sanções adicionais sobre eles e os impediremos de ter acesso aos EUA e ao sistema internacional do dólar”. Uma vez que todas as transações financeiras internacionais são processadas através do sistema bancário estado-unidense, esta ameaça é o equivalente a fechar a capacidade de Pequim de efetuar comércio com qualquer país. É uma ameaça um tanto extravagante e sem dúvida de êxito difícil, mas mostra que a administração Trump é tão imprudente que considera tal empreendimento.

 

Não há nada de ilegal ou proibido em um país comerciar com a Coreia Norte mercadorias não proibidas. Mas um bloqueio comercial total é o que Washington procura. Responsáveis dos EUA estão a preparar sanções contra bancos e companhias estrangeiras que fazem negócios com a Coreia do Norte. “Pretendemos negar ao regime suas últimas fontes remanescentes de receita, a menos que ele inverta sua rota e se desnuclearize”, adverte sombriamente Billingslea. “Aqueles que colaboram com eles estão a expor-se a enorme perigo”. Na essência, Washington está a incorrer num esquema internacional de extorsão: dê-nos o que exigimos ou o prejudicaremos. Isto é gangsterismo como política externa.

 

A China opôs-se às sanções que a administração Trump apresentou em setembro no Conselho de Segurança. Contudo, segundo responsáveis dos EUA e ONU, os Estados Unidos conseguiram extorquir a concordância da China ameaçando atingir negócios chineses com sanções secundárias.

 

Antes da votação de agosto, ameaças semelhantes foram transmitidas a diplomatas chineses no U.S.-China Comprehensive Economic Dialogue, quando responsáveis dos EUA indicaram que dez negócios e indivíduos seriam sancionados se a China não votasse a favor de sanções.

 

Como uma advertência, em junho, os EUA sancionaram o banco chinês de Dandong, levando firmas ocidentais a romperem contactos com a instituição.

 

As ameaças de Washington levaram a China a implementar passos no âmbito financeiro que excedem o que está estabelecido pelas resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Os maiores bancos da China proibiram indivíduos e entidades norte-coreanas de abrirem novas contas e algumas firmas e não estão a permitir depósitos em contas existentes. Não há proibição da ONU a que norte-coreanos abram contas no exterior, de modo que esta ação é encarada como uma medida pró-ativa 

 

de bancos chineses para evitar tornarem-se alvo de sanções estado-unidenses.

 

As exigências nunca acabam, não importa quanto a China ceda. O secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, insistiu recentemente em que a China imponha um embargo total de petróleo à Coreia do Norte. A China recusou-se a fazê-lo, mas pode esperar ser sujeita à pressão crescente dos EUA nas próximas semanas.

 

Responsáveis estado-unidenses estão a espalhar-se por todo o globo, procurando persuadir ou ameaçar outros países para que se juntem à cruzada anti-RDPC. Uma vez que a maior parte dos países perdem muito mais ao desagradar os EUA do que a terminar um relacionamento antigo com a RDPC, a campanha está a ter efeito.

 

Em abril, a Índia proibiu todo comércio com a Coreia do Norte, com exceção de alimentos e remédios. Esta ação não foi suficiente para satisfazer a administração Trump, a qual enviou responsáveis a Nova Delhi para pedir-lhe o corte de contactos diplomáticos com a RDPC e para ajudar a monitorar atividades económicas norte-coreanas na região. As Filipinas, por sua vez, responderam às exigências dos EUA suspendendo toda atividade comercial com a Coreia do Norte. O México e o Peru estão entre os países que estão a expulsar diplomatas norte-coreanos, na base arbitrária de responder a diretivas estado-unidenses. Além de anunciar que reduziria a equipe diplomática da Coreia do Norte, o Kuwait disse também que não emitiria mais vistos para cidadãos norte-coreanos.

 

Muitos países africanos têm relações cálidas com a RDPC, que remontam ao período das lutas de libertação do continente. Responsáveis dos EUA estão a concentrar atenção sobre a África e vários países, atualmente, estão sob investigação das Nações Unidas pelo seu comércio com a Coreia do Norte. O pedido de corte de relações com a Coreia do Norte não é fácil de vender para Washington, pois os africanos recordam os EUA por terem apoiado regimes de apartheid, ao passo que a RDPC apoiou lutas de libertação africanas. “Nossa perspetiva do mundo foi determinada por quem esteve do nosso lado durante o momento mais crucial da nossa luta e a Coreia do Norte estava connosco”, afirma Tuliameni Kalomoh, responsável do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Namíbia. Isto não é a espécie de linguagem que Washington gosta de ouvir. O poder económico dos EUA é suficiente para arruinar qualquer pequeno país e, com pouco opção no assunto, a Namíbia cancelou todos os contratos com firmas norte-coreanas.

 

O Egipto e Uganda estão entre os países que cortaram laços com a RDPC e espera-se que outros os sigam, pois os Estados Unidos aumentam o calor. Fora das Nações Unidas, a administração Trump está sistematicamente a erguer um bloqueio comercial total contra a Coreia do Norte. Através destes meios, os EUA esperam que a Coreia do Norte capitule. Tal objetivo tem como premissa uma grave falha de julgamento quanto ao carácter norte-coreano.

 

A administração Trump afirma que as sanções da ONU e sua política de pressão máxima destinam-se a trazer a Coreia do Norte à mesa de negociações. Mas não é a RDPC que precisa ser persuadida a conversar. O presidente Trump tuitou “Conversar não é a resposta!” (“Talking is not the answer!”). O porta-voz do Departamento de Estado, Heather Nauert, estabeleceu uma condição estrita para negociações. “Para nos empenharmos em conversações com a RDPC eles teriam de se desnuclearizar”. A exigência à Coreia do Norte de dar aos EUA tudo o que quer à partida, sem receber nada em troca, como condição prévia para conversações, é uma óbvia impossibilidade que 

tem de ser encarada como uma receita para evitar a diplomacia.

A Coreia do Norte contatou a administração Obama em várias ocasiões e solicitou conversações, só para ser rejeitada a cada vez e ouvir que precisava desnuclearizar. Esta triste desconexão continua sob Trump. Em maio, a RDPC informou os Estados Unidos de que cessaria testes nucleares e de mísseis se os EUA abandonassem sua política hostil e sanções, assim como assinassem um tratado de paz pondo fim da Guerra da Coreia. Os EUA poderiam não se ter preocupado com as condições, mas poderiam ter sugerido ajustamentos, se a isto estivessem inclinados. Certamente era uma abertura que poderia ter levado ao diálogo.

 

Não é diplomacia que a administração Trump procura, mas sim o esmagamento da Coreia do Norte. Se a razão ostensiva para sanções da ONU é persuadir uma parte relutante a negociar, então só se pode concluir que o país errado está a ser sancionado. O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Hua Chunying , foi mordaz na sua crítica a líderes americanos e britânicos: “Eles são os mais ruidosos quanto a sanções, mas não são encontrados em parte alguma quando chega a vez de fazer esforços para promover conversações de paz. Eles nada têm a ver com responsabilidade”. Os meses pela frente parecem negros. A menos que a China e a Rússia possam encontrar um meio de se oporem aos desígnios dos EUA sem se tornarem alvos eles próprios, o povo norte-coreano ficará sozinho e arcará o fardo da malícia de Trump. Diz algo do seu carácter o facto de se recusarem a ser intimidados.

 

23/setembro/2017

 

* Membro do Comité de Solidariedade para a Democracia e a Paz na Coreia, colaborador de ZoominKorea, membro da Task Force to Stop THAAD in Korea and Militarism in Asia and the Pacific.   O seu sítio web é gregoryelich.org.

 

O original encontra-se em www.zoominkorea.org/trumps-war-on-the-north-korean-people/

 

Fonte: publicado em 2017/09/28 em http://resistir.info/coreia/elich_23set17.html

 

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