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Partido Comunista Português (1961)

Parte I/II

 

 

Na reunião do Comité Central realizada em março do ano corrente, o Secretariado do CC apresentou um extenso relatório sobre «Ensinamentos duma série de traições» que o CC aprovou e a cujas conclusões fundamentais resolveu dar publicidade. É um pequeno resumo do relatório do secretariado aprovado pelo CC, que a seguir apresentamos.

 

 

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1.

 As traições de 1958-1959 e o atraso na sua discussão

 Nos anos de 1958 e 1959, o Partido sofreu graves baixas, por ação do inimigo. Cerca de 40 funcionários do Partido (entre os quais mais de uma dezena de membros do CC) foram presos.  Quase 20 casas clandestinas (entre as quais uma tipografia regional) foram assaltadas pela polícia. O aparelho central foi duramente atingido e o inimigo pôde assenhorear-se de amplos conhecimentos acerca da organização, de quadros, de métodos de trabalho e de defesa. Essa ação bem-sucedida do aparelho repressivo fascista deve-se, em parte considerável, a deficiências do trabalho conspirativo. Mas deve-se também, em parte não menos considerável, a atos de traição.

Se é certo que muitos militantes presos no mesmo período tiveram uma conduta exemplar ante a polícia, recusando-se a prestar quaisquer declarações, um número também elevado de filiados no partido entraram no caminho da traição: denunciando os camaradas que controlavam ou conheciam, provocaram prisões e prejuízos materiais, revelaram métodos de trabalho do Partido e aspetos dos mais conspirativos da atividade do partido e, alguns foram libertados ao serviço da PIDE. Entre esses traidores, contam-se indivíduos que, á data da sua prisão, ocupavam elevados cargos no Partido: um membro do CC um suplente do CC, cinco funcionários de Lisboa e outros de menor responsabilidade.

Foram enormes os prejuízos que estas traições causaram ao Partido. As traições permitiram ao inimigo, não só assestar fundos golpes no Partido como apetrechar-se para ações repressivas futuras. Os prejuízos de ordem moral não foram menores diminuiu a confiança no Partido na sua direção e toda a atividade do Partido se ressentiu.

Tendo-se as mais graves traições verificado em fins de 1958 e primeiro semestre de 1959 porque se passaram dois anos sem se ter tentado uma análise das circunstâncias em que se verificaram a das suas fundamentais experiências. Porque, pelo contrário, se fez de certa forma silencio sobre elas. A razão fundamental reside no facto de que a consideração do número de traições em série, das circunstâncias em que se verificaram e dos seus nocivos resultados, conduziria à análise crítica dos aspetos negativos da orientação e atividade do partido, designadamente da atividade dos organismos superiores. A série de traições punha por si em causa a análise feita da situação política, o trabalho de organização, a política de quadros, as conceções acerca dos princípios orgânicos do partido, a organização do trabalho de direção, a tática, os métodos conspirativos, o estilo de trabalho. Existindo a ideia de que a orientação e atividade eram perfeitamente corretas nesses diversos domínios, não se vendo necessidade de retificação de fundo, tendo-se perdido durante alguns anos o hábito da autocrítica na Direção central, não era possível uma análise aprofundada do problema das traições.

O estudo das traições chama a atenção para alguns erros graves na orientação e atividade geral do Partido. É, em parte decisiva, na retificação desses erros que reside a possibilidade de eliminar as circunstâncias propícias á repetição de traições em série como as verificadas nos anos 1958-59, de criar e forjar um amplo núcleo de quadros de firmeza indefetível e de robustecer, em todo o Partido o ardor revolucionário, a combatividade (…)

 

2.

 Influência do desvio de direita

A consideração esquemática da correlação de forças existente no plano nacional e a atribuição à situação internacional de reflexos imediatos e decisivos na situação nacional conduziu à ideia da queda pacífica inevitável e a curto prazo da ditadura fascistas.

Não se tendo em conta a natureza do estado fascista e as suas forças reais, acreditou-se num processo de desagregação «crescente» e «irreversível» da ditadura. A força efetiva da Oposição e do Partido foi atirada para um segundo plano, menosprezando-se gravemente o trabalho de organização. As esperanças na vitória deixaram de depositar-se na força popular para se concentrarem na fraqueza crescente do inimigo. A própria ação das massas passou a ser considerada principalmente como um fator para a desagregação do regime. Estas ideias conduziram a acreditar-se num certo automatismo na solução do problema político português. Julgou-se que um caminho direito e fácil estava aberto até à derrota final da ditadura. Ilusões legalistas e ilusões golpistas acompanharam o desenvolvimento da «teoria» da desagregação «irreversível».

Tais conceções tiveram profunda influência na maneira de considerar os problemas de organização e de quadros. Em vez de se educarem os militantes ante a perspetiva duma luta difícil e eventualmente demorada, exigindo concentração de energias e reforço da combatividade e do espírito de sacrifício, educaram-se os militantes na ideia triunfo que, a breve prazo, com a queda do fascismo, lhe proporcionaria uma vida mais fácil. Em vez da exigência do reforço da disciplina, do controle, do trabalho de defesa e conspirativo, a esperança num breve colapso pacífico da ditadura estimulou o relaxamento desses aspetos do trabalho do partidário. Em vez de se criar nos militantes a ideia de que o derrubamento da ditadura depende das forças democráticas, do Partido, deles próprios, e que isso obrigava a nova tenção, dedicação acrescida e à disposição para novos e grandes sacrifícios, inevitáveis para assegurar a vitória, gerou-se a ideia de que esta poderia surgir espontaneamente do processo de desagregação, que, em qualquer momento, os militantes poderiam adormecer numa noite sob a ditadura fascista para acordarem no dia seguinte num Portugal libertado.

A preparação do Partido   para os duros combates contra o aparelho repressivo fascista, a preparação dos militantes para as duras provas a que são sujeitos quando caem nas mãos do inimigo, deixaram de ser consideradas como atuais. Menosprezou-se o problema da conduta perante o inimigo e a preparação dos militantes para ela, até ao ponto de deixar em absoluto de discutir-se. Generalizou-se a condescendência e a brandura para com o comportamento dos quadros. Os cuidados conspirativos afrouxaram. As exigências feitas aos quadros diminuíram --- a prazo era assim suscetível de atrair aos quadros clandestinos, tanto elementos esperançados numa mudança rápida e fácil que lhes ofereceria em breve uma «situação» como elementos débeis a quem a vida clandestina se apresentava como de poucas exigências e pouca dura. O trabalho educativo de todos os quadros ressentiu-se no mesmo sentido.

A maior parte dos indivíduos que traíram nos anos 1958 e 1959 foram recrutados ou promovidos nessa época. A consideração das suas características por parte da Direção do Partido, as suas disposições, a sua evolução como quadros, a sua educação, não podem deixar de ter sofrido as influências das conceções políticas dominantes. A compreensão da «história» das traições não podia ser completa, se alheada do desvio de direita e das conceções da «desagregação irreversível»

 

3.

 Influências da tendência anarco-liberal

 Na reação contra métodos burocráticos e autoritários de Direção e excessos de centralismo, criou-se e tomou vulto, a partir de 1955, como aspeto do desvio de direita uma tendência anarco-liberal pequeno-burguesa, que se veio a converter na tendência dominante no trabalho de direção. A reação contra os excessos de centralismo era justa. O mal foi ter-se caído em erros e excessos opostos.

Segundo essa tendência, que se constitui, objetivamente, uma tendência revisionista, combateu-se o centralismo como tal e afrouxou-se o controle e a disciplina a pretexto da necessidade de «democracia» e «autonomia». Defendeu-se um «igualitarismo» e «nivelamento» artificial de competência, de capacidade política, de responsabilidade, de confiança e, de prestígio. Negaram-se o valor e os méritos dos militantes qualificados e o papel dos dirigentes.

Estas conceções tiveram expressão na facilidade de promoções, incluindo ao CC, em cujo alargamento a preocupação do número sobrelevou as condições políticas e pessoais dos quadros a promover e as condições conspirativas impostas pela clandestinidade. Achou-se necessário que todos os membros do CC conhecessem praticamente todos os aspetos de trabalho de direção, incluindo os mais conspirativos e delicados problemas políticos, orgânicos e de quadros. As mesmas conceções alargaram-se a organismos inferiores. Instalou-se na Direção e no Partido em geral o liberalismo em questão de quadros e no trabalho conspirativo, tendo-se para o conceito de que todos podem saber de tudo e fazer de tudo. A evolução coerente de tais conceções levou à defesa por alguns do rotativismo no trabalho de direção que todos podiam desempenhar todas as tarefas em termos que se aproximam da rotação, «rotação democrática» existente nos sindicatos ingleses quase um século atrás e a que Lenine chamou «um absurdo conceito de democracia».

Outro importante da tendência anarco-liberal do seu «nivelamento» pequeno-burguês foi a defesa, que tomou vulto na «luta contra o culto da personalidade» da diminuição da autoridade dos organismos superiores e dos militantes mais destacados. A «luta contra o culto da personalidade» não resultou da existência do culto da personalidade no PCP em relação aos seus próprios dirigentes (pois tal culto não se verificou) mas fundamentalmente do facto de tal luta dava margem e forneceu uma base ideológica para amplo desenvolvimento do «igualitarismo» e «nivelamento» pequeno-burgueses.

A «luta contra o culto de personalidade» serviu para desautorizar o Secretariado do CC, para reduzir o prestigio e autoridade de alguns camaradas mais destacados, para negar na prática a existência de qualquer  organismo como funções superiores de controlo e de comissão central de quadros, para recusar aos organismos executivos superiores do partido os meios de ação  política, para, no fim de contas, diminuir a autoridade da Direção do Partido, para fomentar o afrouxamento do controle e a fuga e ao controle numa «autonomia» mal compreendida, para animar a sobreposição das opiniões pessoais às do coletivo, para  enfraquecimento da disciplina, a diminuição da ideia de responsabilidade, o espírito de condescendência   e transigência para com as faltas graves dos quadros.

É dentro duma tal situação que se tem de enquadrar a evolução, como «quadros», de elementos corrompidos, a sua promoção a lugares de direção, incluindo ao CC, e a história da sua traição.

A série de traições revelou a profundidade dos erros da tendência anarco-liberal no que respeita ao funcionamento e organização do trabalho de direção, ao conhecimento, seleção, educação e promoção de quadros, à vigilância revolucionária, à disciplina, ao trabalho conspirativo. Os perigos e prejuízos do «democratismo primitivo», do «igualitarismo» e «nivelamento» pequeno-burguês, - características fundamentais da tendência anarco-liberal , aparecem com evidência na história dos traidores, nas possibilidades que tiveram de ascender no Partido e de, quando presos, provocaram grandes prejuízos ao Partido.

O combate às conceções e hábitos de trabalho errados na tendência anarco-liberal e a defesa intransigente dos princípios do centralismo-democrático e a sua aplicação no trabalho diário do partido, impõe-se não apenas para o fortalecimento geral do partido, mas também para reduzir e anular a possibilidade de ascenderem no partido elementos fracos e corrompidos, que o traíram no primeiro exame sério de coragem e firmeza que tivessem de prestar.

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4.

 Defeituoso conhecimento dos quadros

Fazendo contraste com o comportamento heroico de tantos dirigentes do Partido, funcionários do partido e militantes de base, cerca de uma dúzia de funcionários presos em 1958 e 1959 entraram no caminho de denúncias à PIDE e alguns foram libertados e passaram a servir esta. Dum modo geral, as opiniões da Direção do Partido e especialmente do Secretariado do CC acerca desses indivíduos eram positivas e, em alguns casos, muito positivas. Entretanto, estes indivíduos mostraram, com a sua traição, não merecem, em qualquer grau, tais opiniões e confiança. Quando foram presos, já não   eram bons, já não eram comunistas, já a traição vivia neles, já não tinham qualquer dignidade, inteireza e consciência moral.

O contraste entre opiniões favoráveis a seu respeito e as suas abjetas traições, põe nu o mau conhecimento dos quadros pela Direção do Partido, e, duma forma mais geral, o mau conhecimento dos homens, mostra que alguma coisa estava errada no apreço pelas autênticas virtudes e na rejeição de defeitos graves, na sagacidade para discernir a verdadeira face daqueles com quem se trabalha e vive.

O deficiente conhecimento ainda hoje revelado acerca dos traidores mostra também como o conhecimento dos quadros tem assentado muitas vezes, mais em impressões de camaradas responsáveis, do que em factos; mostra o conhecimento dos quadros não pode resultar da intuição ou dom divinatório dos camaradas da Direção, antes tem de basear-se no conhecimento pormenorizado da atividade e características dos mesmos, mostra como é necessário para o conhecimento dos quadros, saber qual a opinião a seu respeito de camaradas menos responsáveis, da base do Partido e até  de pessoas sem-partido.

Não é através do que os quadros dizem de si próprios que se pode formar uma opinião segura. É através da sua conduta no trabalho profissional, na vida e luta da sua classe, na vida familiar, na conduta moral e cívica, na atividade diária do Partido, nas provas de dedicação e de firmeza, que se deve basear a opinião sobre um quadro.

Ao dar-se hoje balanço à atividade social e política desses traidores, admira verificar como esse balanço era fraco. Antes de virem ao Partido, fraca participação em luta de massas. Depois, na atividade partidária, debilidades na mobilização popular, falta de capacidade de organização, estagnação ou retrocesso dos sectores que lhe estavam confiados, má política de quadros e maltrato com os quadros.

Na altura em que os traidores foram chamados ao quadro de funcionários havia é certo boas informações a seu respeito. O mau é que essas boas informações eram manifestamente insuficientes. Ainda hoje, o que mais choca não é tanto o que se sabe desses homens, como o que não se sabe. Entretanto, muito do sabia era mais motivo para reserva do que para confiança. A diminuição da vigilância, do controle, da disciplina, do trabalho educativo, dos cuidados conspirativos, gerada nas conceções da «desagregação irreversível» da ditadura e na tendência anarco-liberal, explicam como foi possível que escapasse à observação do partido a verdadeira face dos traidores e se depositasse neles confiança, como foram possíveis as suas promoções e como foi possível que, uma vez presos, causassem tão grandes danos ao Partido.

 

5.

 Promoções fáceis e infundamentadas

O «nivelamento» da tendência anarco-liberal conduziu à ideia de que, para ser promovido no Partido, não são requeridas «qualidades especiais» de que a generalidade dos membros do partido tem condições para ser promovidos aos organismos superiores. Deixou de exigir-se o conhecimento da biografia dos quadros. Deixou de ser necessário fundamentar devidamente as propostas de promoções. Provas   de firmeza já dadas ante o inimigo, provas de dedicação à classe operária já dadas na luta, hábitos de trabalho, moral elevada, nada disso (com suficiente rigor) se considerou como exigências a fazer para as promoções aos organismos superiores do Partido.

Assim foram chamadas aos quadros de funcionários elementos que estavam há muito pouco tempo no Partido, que muito pouco haviam feito e de quem nada se sabia. A mesma ligeireza nas promoções se verificou em relação ao próprio Comité Central, no preciso momento em que se procurava restituir ao CC a qualidade de órgão supremo no intervalo dos Congressos. Considerou-se que, na composição do CC, interessava mais o número que a qualidade. Considerou-se, em alguns casos, a promoção ao CC como um «incentivo» e uma «ajuda». Qualquer funcionário do partido era facilmente havido como um membro do CC em potencial. Tais conceitos e processos adquiriram particular gravidade dada a existência clandestina do Partido. 

As promoções precipitadas e incorretas para o CC foram estimuladas por uma outra conceção de raiz anarquista e idealista, que diluía a diferença entre a classe operária e o seu Partido. Menosprezando influências burguesas no seio classe operária, esqueceu-se o ensinamento de Lenine, segundo o qual é missão do Partido reeducar aqueles proletários que «não abandonaram os seus preconceitos pequeno burgueses». Dentro das conceções «niveladoras», «ser operário» passou a ser recomendação de certa forma com valor absoluto, como garantia de consciência de classe, firmeza e condições políticas. A promoção de quadros operários verificou-se em muitos casos na base dessa recomendação, não se dando o devido valor ao conhecimento individual dos quadros promovidos.

Em vez de um sério esforço para conhecer, selecionar e promover quadros operários, na base do trabalho e luta das organizações operárias, na base da melhoria radical das organizações operárias do Partido, da vida política regular, da atuação de massas e da estruturação, pensou-se que seria nos organismos superiores do Partido que quadros operários não provados seriam melhor conhecidos, se treinariam, desenvolveriam e adquiririam as qualidades requeridas. O resultado foi terem podido ascender a lugares de direção elementos débeis e corrompidos, que vieram a trair.

Isto tornou-se tanto mais grave quanto é certo que, nessa mesmo altura, se reforçava a autoridade do CC e de cada um dos seus membros e, por influência da tendência anarco-liberal, o liberalismo, as inconfidências, o conhecimento de tudo por todos se generalizou nos organismos superiores.

Para que possam ter lugar promoções corretas é necessário um reforço considerável do trabalho político e orgânico, um mais rigoroso controle e mais atenta vigilância, uma nova vida das organizações de base, um direto e constante papel dirigente das organizações do Partido nas lutas populares, o acompanhar atento da evolução dos quadros, o conhecimento, não só da sua atividade no Partido, como da sua vida particular, da sua conduta doméstica, profissional e cívica. A clandestinidade exige ainda mais cuidado, vigilância e severidade.

 

6.

 «Aburguesamento» e «profissionalismo»

A chamada aos quadros de funcionários é e deve ser uma promoção no sentido do devotamento total ao proletariado e ao Partido. O que espera o funcionário do partido são novas dificuldades de vida e sérios perigos. Se há qualidade a exigir dos funcionários do partido é a dedicação e o espírito de sacrifício. Os militantes chamados aos quadros de funcionários devem ser os melhores filhos da classe operária, aqueles que maiores provas tenham dado de consciência de classe, de firmeza, de combatividade, de abnegação.

O Partido tem razões para se sentir orgulhoso dos seus funcionários, que têm escrito gloriosas páginas da luta contra a ditadura fascista. Com os seus pacientes e demorados sacrifícios da dura vida clandestina, com as privações de toda a espécie que souberam aceitar, com a sua atuação corajosa e esclarecida, com a sua firmeza e heroísmo quando caídos nas mãos do inimigo, elevado número de filhos e filhas do nosso povo, que tudo abandonaram para servir o seu partido e o seu povo, têm provado ao longo dos anos possuírem essas qualidades e virtudes.

Nem sempre, porém foram estas exigidas. Em alguns casos vieram aos quadros de funcionários militantes que procuravam, mas que a entrega total ao Partido, a resolução de dificuldades graves na sua situação pessoal e até uma situação económica que supunham mais estável, menos desconfortável e exigindo trabalho menos pesado. A orientação seguida em alguns aspetos relativos à funcionalização (subsídios, semi-funcionarios, etc.) favoreceu esta tendência. A falta (…)  constante acerca das razões em motivos de certas facilidades financeiras, acerca do respeito pelos fundos do partido que resultam dos sacrifícios de milhares de militantes e simpatizantes, e, pelo contrario a facilitação em questões de dinheiro e apresentação da vida dos funcionários do partido como uma melhoria económica agindo como «tentação» para trabalhadores vivendo na miséria ou para indivíduos pouco amigos do trabalho  manual, provocaram o enfraquecimento dos sentimentos de seriedade e austeridade, e da consciência de classe e da dedicação, e introduziram nos quadros um certo espírito «profissionalizado» e carreirista e tendências de «aburguesamento». O sentimento do «profissionalismo» com o seu cortejo de hábitos e atitudes corruptas, fazia já parte da maneira de ser e do procedimento corrente de muitos indivíduos que vieram a trair. Mas o ambiente geral não permitiu isolar por esses traços.

Ainda hoje as tendências para o «aburguesamento» e o «profissionalismo» não estão totalmente mortas. No interesse geral do Partido e da formação política e moral dos seus quadros, é necessário que sejam radicalmente extirpadas. É necessário fortalecer em todos em todos os quadros funcionários o alto sentido da devoção ilimitada á classe operária e ao Partido, o desejo de proximidade e identificação com as classes trabalhadoras, o horror pelos hábitos, conceções e gostos burgueses, a identificação diária, nos sentimentos e ideias, com a classe operária, com o campesinato, com os deserdados e ofendidos da terra. É necessário que todos compreendam que ser funcionário do Partido exige acima de tudo dedicação, firmeza, ligação aos interesses das classes trabalhadoras. É necessário afastar resolutamente dos nossos quadros as conceções, preferências e preocupações pequeno-burguesas, que diluem o espírito de classe dos quadros operários e camponeses, que desmoralizam, que enfraquecem o espírito revolucionário e que criam um ambiente propício a que se mantenham encobertos no corpo de funcionários elementos corrompidos, traidores em potencial.

 

7.

 Fraqueza na opinião e na crítica e apreço pelo servilismo

É direito de todo o membro do Partido manifestar livre e francamente a sua opinião (mesmo quando discordante da dos organismos superiores) e de criticar, tanto aspetos de orientação e atividade partidárias, como a atuação de quaisquer militantes, incluindo os mais responsáveis. No período considerado, nem sempre esse foi um direito efetivo na atividade diária do Partido e nem sempre a Direção velou pela efetivação pratica desse direito.

Numa situação em que a competência, funções, autoridade e composição dos organismos superiores do partido eram postas em causa, alguns camaradas foram levados a manifestar preferência pelos quadros que concordavam com as suas opiniões e não faziam habitualmente observações críticas, á sua atividade; e a tomar uma posição uma posição deem relação a camaradas que apresentavam com maior frequência observações críticas à sua atividade. Daí a preferência, por vezes verificada, pelos quadros que «não criavam problemas», por aqueles que «encostavam bem», ou seja, aqueles que por sistema estavam de acordo com os organismos superiores.

Tais processos e hábitos de trabalho tornaram possível que aparecesse o apreço pelo servilismo e a lisonja, e tivessem «feito carreira» no Partido elementos que como vários traidores acusavam em elevado grau traços negativos desse tipo. É de admitir que em relação a alguns deles, a subserviência ante camaradas mais responsáveis, não só tenha levado à sua escolha para certas tarefas como tenha contribuído para a sua promoção.

Tais tendências prejudicaram o apreço, seleção e promoção de camaradas mais francos e honrados e, não só facilitaram a ascensão, a cargos de grande responsabilidade de elementos corruptos, como impediram que traços tão negativos do seu carácter revelassem a sua falta de dignidade e de moral.

Essas tendências não chegaram a criar fortes raízes nos quadros nos quadros do partido. São hábito e tradição do PC Português a manifestação franca de opinião, a maneira singela de convívio, a fraternidade no trato, a rejeição de lisonja e elogios. O ambiente existente durante um curto período não se pode manter, nem se manteve. Uma justa orientação e uma justa atividade impedirão que essas tendências voltem a ter qualquer influência sensível.

Impõe-se que se apreciem os quadros pelas suas qualidades essenciais de militantes; que estimulemos nos quadros a franqueza de opinião e de critica; que haja a garantia para os membros do Partido de que, por nenhuma opinião critica em relação seja a que camarada for, estará sujeito a «represálias» que se dê apreço aos camaradas francos e honrados; que se anime a aceitação consciente da orientação e a manifestação aberta, na organização a que cada membro do Partido pertence, de duvidas e divergências quando existam; que se crie e se generalize o espirito de desaprovação e rejeição dos que; por sistema e por cálculo, «se encostam» aos   mais responsáveis. Exige-se delicadeza e correção, objetividade e verdade, respeito mútuo, unidade e disciplina, mas varram-se do Partido as manifestações de louvaminha, os elogios de amabilidade, o servilismo, o compadrio, - tendências propícias à ascensão de oportunistas e carreiristas que incensarão um dia os dirigentes, para no dia seguinte trair o Partido.

 

8 .

 Modéstia  e presunção

Pela própria natureza do ideal comunista e das tarefas do proletariado, o militante comunista deve ser  modesto deve ter a noção de que sozinho pouco vale, de que o seu esforço só junto com outros esforços poderá ser produtivo, deve partir da consciência de que terá sempre muito que aprender com os outros, mesmo com homens mais simples e menos evoluídos, deve ter ouvidos atentos às opiniões, reparos e criticas, deve estar pronto para a luta e o sacrifício, deve compreender, quando o Partido lhe atribui tarefas de mais responsabilidade, que isso não é a «conquista de lugar», de um «posto honorifico» de uma «situação de privilégio», mas se trata apenas de novas tarefas que deve desempenhar corretamente para bem do Partido, e que, inversamente, quando o Partido lhe atribui tarefas de menor responsabilidade, isso é uma «degradação» ou «inferiorização», deve criar o gosto pela simplicidade nos hábitos, no convívio, nas maneiras; deve ser verdadeiro e objetivo na consideração dos factos independentemente de estes serem vantajosos ou desvantajosos à sua pessoa, deve apresentar-se tal como é e não procurar apresentar o que não é, ser espontâneo e sincero e não representar papeis, não viver de aparências.

Modéstia e presunção não podem ser indiferentes ao Partido, pois se revelam na atuação prática do militante, na sua prontidão ou na sua recusa a escutar e a reconhecer a justeza da sua opinião, na facilidade ou dificuldade em aceitar a critica alheia e em autocriticar-se, na boa-vontade ou resistência para aceitar tarefas simples, na isenção pessoal ou na ambição política, no apreço ou na posição depreciativa em relação a quadros honestos menos preparados politicamente. A modéstia e a presunção não podem deixar de merecer a atenção do partido quando se trata de conhecer, selecionar e promover os quadros.

No período considerado, alguns camaradas abordaram esta questão duma «forma nova» tendente a tapar a boca aos que exigiam a modéstia dos quadros e criticavam a vaidade. Deveria esperar-se que a luta energética contra os excessos de centralismo conduzida a partir de 1955 e a «luta contra o culto da personalidade» dessem lugar a luta contra a presunção, a vaidade, a autossuficiência, que acompanham geralmente tais excessos e inevitavelmente tal culto. Isso não aconteceu. A tendência   anarco-liberal, com as falsas ideias do «nivelamento» da capacidade política de todos os militantes, de que entre os militantes não há diferenças nítidas de serviços prestados e de graus de confiança, favoreceu, não sentimentos de modéstia, mas a sobrevalorização da própria ação, mérito capacidade individuais. Se quase todos os traidores mostravam tão nítidos traços de vaidade e presunção, que por vezes se tornaram grotescos e se esse traço negativo não prejudicou a sua «carreira», isso deve-se a que, em volta da «luta contra o culto da personalidade» e estimuladas pelas conceções anarco-liberais, se multiplicaram manifestações de presunção, de autossuficiência, de enfatuamento e de personalismo. Em certa medida as manifestações de vaidade foram vistas durante algum tempo, como marcas positivas dos dirigentes. Nessa situação a vaidade dos traidores mais facilitou do que dificultou as boas opiniões a seu respeito e as suas promoções.

Para orgulho do nosso Partido, a modéstia e a sua simplicidade constituem a mais forte tradição dos seus quadros. São raros os casos de camaradas enfatuados presumidos, cheias da sua pessoa. O espírito de colaboração e de aceitação de sugestões e opiniões de outros camaradas é quase geral. Vencidas as tendências que deram um temporário e acidental incentivo à presunção, a fácil localização dos que mais acentuada mente acusam esses traços negativos e o ambiente pouco favorável às suas manifestações, são   a melhor forma de combater uns e outras. Exija-se dos militantes  que saibam ouvir e respeitar os outros (mesmo camaradas mais apagados), que cumpram disciplinadamente as decisões   do coletivo, que se autocritiquem quando for o caso disso, que sejam verdadeiros sinceros e leais, que compreendem as diferenças de aptidões, de responsabilidade e de graus de confiança, e ter-se-á posto um forte entrave a esses traços negativos, que causam grandes prejuízos diretos ao Partido e ocasionam com tanta frequência o mau desenvolvimento, a perda de possibilidades e tantas vezes a morte política de quadros bem dotados sob muitos outros aspetos.

 

Fonte: O Militante, Boletim do Comité Central do Partido Comunista Português, ano 28º, série III, nº 110, maio de 1961.

Fonte da ilustração: https://www.museudoneorealismo.pt/o-que-e-o-neorrealismo-86

 

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