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Pedro Miguel Lima

[Este artigo é publicado em 4 partes; hoje, publica-se a segunda]

… a União Europeia proclama-se a favor da “livre e sã concorrência” e tem mesmo um comissário e uma comissão dedicada ao “assunto”, quando ela própria é um dos centros imperialistas do mundo e foi criada e alargada para que os monopólios das nações mais ricas destruíssem as forças produtivas dos países mais pobres e, assim, alargar os seus mercados e submeter esses Estados.

 

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O neoliberalismo

No início da década de 80, entre 80 e 82, regista-se nova crise de sobreprodução na economia capitalista ocidental. Com Reagan e Margaret Thatcher, iniciou-se uma nova ofensiva capitalista para a recuperação da crise, e os Estados capitalistas do ocidente assumiram como política económica e social aquela que é chamada “neoliberalismo”.

O “neoliberalismo” é vulgarmente tido como uma política que consiste na privatização de serviços públicos como a saúde, educação e cultura; privatizações de grandes monopólios estatais antes nacionalizados em áreas como a energia, transportes públicos, correios e telecomunicações; destruição de conquistas e direitos sociais; retirada de direitos aos trabalhadores e agravamento da exploração. Os “neoliberais”, no plano ideológico, defendiam que a “função” do Estado é apenas garantir a infraestrutura básica para o bom funcionamento e escoamento da produção de mercadorias e intervir na economia em tempos de eventuais crises.

As teorias neoliberais que sustentam a política dos Estados ao serviço dos monopólios, emergiram da chamada escola de Chicago e foram aplicadas como política económica de Pinochet no Chile, depois da bárbara deposição do governo de Salvador Allende. Estes “teorizadores” ficaram conhecidos como os Chicago boys e assessoraram o ditador. Daí, espalhou-se ao velho continente.

Essa teoria defende uma intervenção mínima do Estado na economia, postulando que a economia capitalista se pode autorregular sem a sua intervenção. O Estado deveria apenas defender o direito de propriedade. Ataca os direitos dos trabalhadores, defende a “flexibilização do trabalho”, isto é, políticas que degradem os salários e promovam a destruição dos direitos dos trabalhadores.

Ataca ainda aquilo a que a pequena-burguesia chama “Estado social” ou welfare state na sua versão original inglesa –, quer dizer, defende que o Estado abandone a prestação de serviços à sociedade como a saúde e a educação, e a privatização de setores económicos que os Estados capitalistas nacionalizaram em determinado momento histórico, como transportes, energia e outros.

Por necessidade de expansão do capital monopolista ligada à recuperação da crise de 80-82, ao aprofundamento das suas contradições (baixa tendencial da taxa de lucro, sobreprodução, acumulação excessiva de capital, problemas energéticos, crises sucessivas, outros…) havia que aprofundar a penetração das relações capitalistas de produção. O capital monopolista alargou a sua intervenção àquilo que estava então na esfera ou propriedade do Estado. Privatizaram-se monopólios de Estado e serviços públicos e mercantilizou-se toda essa esfera, assim aumentando os setores em que o capital monopolista pôde ir retirar mais lucros. Entre 1980 e 1990, concentrou-se e centralizou-se ainda mais o capital, naturalmente à custa do aprofundamento e alargamento da exploração dos trabalhadores. A proletarização alargou-se ainda mais, a pequena-burguesia, pequenos comerciantes, industriais e camponeses continuaram a ser sorvidos no vórtice da centralização e concentração do capital.

Depois de derrotar toda a classe operária em Inglaterra, com a derrota da greve de 16 meses dos mineiros em 1984-1985, Thatcher fez valer a sua força, encerrou toda as minas de carvão e prosseguiu a sua ofensiva antitrabalhadores. Este momento marcou o início da vitória “neoliberal” na Europa.

Na medida em que promove a expansão do capital monopolista a novas áreas, o capitalismo neste seu momento “neoliberal” exacerba as suas contradições e dá mais um passo no abismo. Estes factos económicos, políticos e históricos são alguns dos elementos do conteúdo do “neoliberalismo” como ele se apresenta de há 40 anos para cá, sempre num movimento ascendente de concentração e centralização capitalistas em monopólios cada vez mais gigantescos e tenebrosos e repetições de crises cada vez mais profundas e devastadoras. Hoje, a dimensão dos monopólios multiplica por muitas vezes o tamanho daqueles que Lénine pôde observar. Recordamos apenas os exemplos da banca monopolista que domina o mundo e, na indústria, o ramo automóvel, o setor agroalimentar, a indústria química e farmacêutica, a construção aeronáutica, do petróleo e da energia, que se reduziram a meia dúzia de grandes cartéis que partilham o mundo entre si.

O “neoliberalismo” é ainda a re-partilha do mundo conforme a força de cada cartel monopolista e de cada Estado imperialista, é a guerra dentro e fora da Europa, é a destruição de Estados e nações, é a luta por esferas de influência das potências imperialistas, é a fome em largas zonas do mundo, a fome dentro desses mesmos Estados.

O termo “neoliberalismo” que designa uma política e é, ao mesmo tempo, a sua teoria económica, mistifica a realidade, porque: a) esconde perante as massas a natureza monopolista do capitalismo na sua fase imperialista fazendo crer que existe “livre concorrência”; e b) mistifica a questão do Estado ao seu serviço, isto é, esconde a intervenção do Estado na economia como sempre aconteceu, agora ao lado dos monopólios e servindo os seus interesses.

O papel da banca que Lénine caracterizou em “O imperialismo...” é hoje ainda mais avassalador. Toda a economia produtiva se encontra completamente dominada por formidáveis monopólios financeiros que atuam por cima de todas as fronteiras e de todas as leis. Estes conglomerados financeiros criaram ainda a seu lado a chamada banca sombra que atua apenas na especulação e é em grande parte causadora de crises cada vez mais profundas: são os fundos abutres que compram ativos e dívidas a preço de saldo e depois os revendem com lucros inimagináveis. Foi o caso do fundo Lone Star, que comprou o Novo Banco em Portugal, ou o do BlackRock, que está a impulsionar a privatização da segurança social francesa.

A palavra de ordem “Laissez faire, laissez passer,” foi a palavra de ordem da burguesia em França, ainda em tempos da monarquia e das Luzes, posteriormente integrada na filosofia económica do capitalismo triunfante e hoje espalha a sua hipocrisia, por exemplo, na filosofia constitutiva da UE, a qual diz ter por base proteger “a livre e sã concorrência”. Mas, note-se, aquela consigna burguesa dirigia-se contra o Estado monárquico-feudal, pois logo que assume o poder, a burguesia constrói o seu próprio Estado burguês.

O “neoliberalismo”, se assim quisermos chamar a uma ordem económica mundial iniciada nos anos 80 e prosseguida até aos nossos dias dinamizada pela derrota do sistema socialista, a leste, nos anos 90 e refletida nas teorias económicas homónimas é o imperialismo hoje e corresponde a uma realidade económica objetiva criada pelo funcionamento das leis cegas do capitalismo, decorrente da sua dinâmica de desenvolvimento interno – não sendo, portanto, uma particular política que se pode alterar por meios políticos que não envolvam a revolução socialista, não pode voltar para trás e só poderá ser removido com a remoção do sistema de produção de que é o corolário. O Estado intervirá politicamente ao serviço dos interesses dos monopólios e revestirá essa intervenção com a capa ou o nome que lhe for mais útil.

O mito da “livre concorrência

“A propriedade privada baseada no trabalho do pequeno patrão, a livre concorrência, a democracia, todas essas palavras de ordem por meio das quais os capitalistas e a sua imprensa enganam os operários e os camponeses, pertencem a um passado distante. O capitalismo transformou-se num sistema universal de subjugação colonial e de estrangulamento financeiro da imensa maioria da população do planeta por um punhado de países avançados’”. Lénine, op. cit. p. 295 (sublinhado nosso). Não nos cansamos de chamar a atenção para a data de redação desta obra de Lénine – 1916. A realidade do capitalismo monopolista de hoje reflete o funcionamento das leis económicas capitalistas durante mais de 100 anos sobre a data da obra de Lénine, em que deu conta deste desenvolvimento em direção ao monopólio.

Lénine demonstrou que o capital tinha ultrapassado a fase da “livre concorrência” e entrado na sua fase imperialista, a fase dos monopólios: “1900-1903: os cartéis passam a ser uma das bases de toda a vida económica. O capitalismo transformou-se em imperialismo” – op. cit. p. 305.

Diz Lénine: “Não nos encontramos já [1916!!] em presença da luta da concorrência entre pequenas e grandes empresas, entre estabelecimentos tecnicamente atrasados e estabelecimentos de técnica avançada. Encontramo-nos perante o estrangulamento, pelos monopolistas, de todos aqueles que não se submetem ao monopólio, ao seu jugo, à sua arbitrariedade” – p. 309.

Hoje, a dimensão dos monopólios multiplica por muitas vezes o tamanho daqueles que Lénine pôde observar. As teorias económicas “neoliberais” servem apenas o intuito ideológico de enganar os trabalhadores e os pequenos produtores. Por exemplo, as miríades de pequenas empresas a que se chama start-ups, a quem se engana com a palavra de ordem da “livre concorrência” e cujos proprietários, desligados muitas vezes das suas origens de classe, se veem a si mesmos como empresários e sonham vir a ser um dia grandes empresários, também elas são fruto do capital monopolista. Os juros bancários alimentam a banca a quem recorrem e as dívidas que contraíram, quando entram em falência, também. Entretanto, o capital capta as melhores ideias de negócio, descarta o que não pode aproveitar, e cobra os juros da dívida das start-ups falidas.

A concorrência capitalista deixou de se verificar ao nível daquela que existia nos marcos de um mesmo Estado. A partir da sua fase imperialista, os monopólios são multinacionais, mundiais, e a parte determinante da concorrência capitalista verifica-se, em moldes diferentes, entre os grandes centros do capital financeiro, grupos monopolistas em luta entre si pela partilha do mundo, dos mercados e das matérias-primas. Os monopólios reivindicam o comércio “livre”, a “livre” circulação de capitais, deslocalizam as indústrias para os locais do mundo em que a mão-de-obra é mais barata, em que o proletariado se encontra menos organizado, não em nome da sua bela “livre concorrência”, mas para penetrar em todos os Estados e na economia mundial.

Todos os capitais, a sua concorrência, nascimento e morte, estão inevitavelmente subordinados ao capital bancário monopolista, a funcionar como um tornado que tudo aspira à sua volta.

E, no entanto, a União Europeia proclama-se a favor da “livre e sã concorrência” e tem mesmo um comissário e uma comissão dedicada ao “assunto”, quando ela própria é um dos centros imperialistas do mundo e foi criada e alargada para que os monopólios das nações mais ricas destruíssem as forças produtivas dos países mais pobres e, assim, alargar os seus mercados e submeter esses Estados.

Obviamente, continua a verificar-se a concorrência entre capitais mais pequenos, na medida em que o modo de produção capitalista e a produção mercantil continuam a existir e o capitalismo continua a funcionar. Mas esses capitais mais pequenos são um dos alimentos dos monopólios. Os pequenos capitais estão para o capital financeiro como o krill está para os peixes. É também à custa da sua ruína que o capital aumenta e se concentra. Um exemplo imediato é o que se verifica agora no quadro da pandemia do coronavírus: a falência e a ruína dos pequenos capitais vão alimentar a banca em forma de dívidas e dos juros a pagar por elas. Os pequenos produtores seguem para a proletarização como desempregados e o capital bancário aumenta em volume e concentra-se.

Como se sabe, a UE diz querer garantir uma “livre e sã concorrência” entre os capitais. Em obediência a isto, a UE proíbe aos Estados (aos que não têm outro remédio senão aceitar) dar apoios públicos a determinadas empresas, para não “falsear” a concorrência. Tem até um departamento para intervir nesse campo. A UE exige privatizações – foram privatizadas várias grandes empresas portuguesas no tempo da troika e depois dela. Eis senão quando vem uma comissária europeia, há pouco tempo, a apelar aos Estados que comprem participações em diversas empresas públicas e privadas para evitar que seja a China a fazê-lo. Como se vê, um exemplo de coerência.

Fonte: enviado por mail    

                                                                                                                  (continua)

 

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