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I. V. Stáline

[A publicar por partes – cap. VII (fim da publicação)]

Janeiro de 1913

Está perfeitamente dentro das possibilidades o aparecimento de uma combinação de circunstâncias internas e externas, dentro das quais esta ou aquela nacionalidade da Rússia acredite necessário apresentar e resolver o problema da sua independência. E naturalmente não são os marxistas que haverão de opor obstáculos num caso desses.

 

 

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VII - O Problema Nacional na Rússia

Falta-nos tratar da solução positiva do problema nacional.

Partimos do facto de que este problema só pode ser resolvido em conexão indissolúvel com o momento que atualmente se vive na Rússia.

A Rússia vive uma época de transição, e nela não existe ainda uma vida “normal”, “constitucional”, vive uma época em que a crise política não está resolvida ainda. Temos pela frente dias de tormenta e de “complicações”. Daqui o movimento, o atual e o vindouro, um movimento que tem como objetivo a instauração da plena democracia.

Em conexão com esse movimento é que deve ser enfocado também o problema nacional.

Temos, pois, a plena democratização do país como base e condição para a solução do problema nacional.

Para a solução do problema é necessário levar em conta não só a situação interior, mas também a exterior. A Rússia se encontra encravada entre a Europa e a Ásia, entre a Áustria e a China. A expansão da democracia na Ásia é inevitável.

O desenvolvimento do imperialismo na Europa não é um fenómeno casual. Na Europa o capitalismo começa a sentir-se confinado e se esforça por escapar para os países alheios, buscando novos mercados, mão de obra barata, novas bases de inversão. Mas isto conduz a complicações exteriores e guerras. Ninguém pode dizer que a guerra dos Baleãs[102] seja o fim e não o começo das complicações. Está perfeitamente dentro das possibilidades o aparecimento de uma combinação de circunstâncias internas e externas, dentro das quais esta ou aquela nacionalidade da Rússia acredite necessário apresentar e resolver o problema da sua independência. E naturalmente não são os marxistas que haverão de opor obstáculos num caso desses.

Daqui se deduz que os marxistas russos não podem prescindir do direito de autodeterminação das nações.

Temos, pois, o direito de autodeterminação como ponto indispensável para a solução do problema nacional.

Prossigamos. E as nações que por estas ou aquelas causas prefiram permanecer no enquadramento geral?

Vimos que a autonomia nacional-cultural não é aceitável.

Em primeiro lugar, esta fórmula é artificial e inviável, pois propõe agrupar artificialmente numa só nação gentes que a vida real desune e dispersa pelos diversos confins do Estado.

Em segundo lugar, conduz ao nacionalismo, pois favorece o ponto de vista da divisão dos homens por cúrias nacionais, o ponto de vista da “organização” das nações, o ponto de vista da “conservação”, e incentiva “peculiaridades nacionais”, coisa completamente incompatível com a social-democracia.

Não é por acaso que os separatistas morávios no Reichsrat, depois de se afastarem dos deputados social-democratas alemães, se uniram aos deputados morávios burgueses, para formar, por assim dizer, um “círculo” morávio. Não é por acaso também que os separatistas russos do Bund se submergiram no nacionalismo, exaltando a celebração do “sábado” e o “idish”. Na Duma não figuravam ainda deputados do Bund, mas no seu raio de ação há uma comunidade judaica reacionário-clerical, em cujas "instituições dirigentes” organiza ele, no momento, uma união entre operários e burgueses judeus[103]. Essa é, com efeito, a lógica da autonomia nacional-cultural.

A autonomia nacional não resolve, pois, o problema.

Onde está a solução?

A única solução verdadeira está na autonomia regional, a autonomia por unidades tão definidas como a Polónia, a Lituânia, a Ucrânia, o Cáucaso, etc.

A vantagem da autonomia regional consiste, antes de tudo, em que nela não nos temos de haver com uma ficção sem território, mas, pelo contrário, com uma população determinada, que vive em território determinado.

Por conseguinte, não delimita as pessoas por nações, não reforça as barreiras nacionais, mas, pelo contrário, rompe essas barreiras e agrupa a população, para abrir o caminho a uma delimitação de outro género, a uma delimitação por classes.

Finalmente, dá-nos a possibilidade de explorar da melhor maneira os riquezas naturais da região e desenvolver suas forças produtivas, sem esperar que a solução venha do centro comum — funções estas que a autonomia nacional-cultural não exerce.

Temos, pois, a autonomia regional como ponto indispensável para a solução do problema nacional.

Não resta dúvida que nenhuma das regiões representa homogeneidade nacional completa, pois em todas elas interferem minorias nacionais.

É o que acontece com os judeus na Polónia, com os letões na Lituânia, com os russos no Cáucaso, com os polacos na Ucrânia, etc. Pode-se temer, por essa razão, que as minorias sejam oprimidas pelas maiorias nacionais. Mas esse temor só terá motivo de existir se o país continuar vivendo sob a velha ordem de coisas. Dai ao país plena democracia, e esse temor desaparecerá por falta de base.

Propõe-se articular as minorias dispersas numa só união nacional. Mas não é de uma união artificial que necessitam as minorias, e sim de direitos reais e efetivos no lugar onde vivem. Que é que lhes pode dar semelhante união, sem plena democracia? E para que necessitam, tendo plena democracia, dessa união nacional?

Que é que inquieta, de modo especial, uma minoria nacional?

O que provoca descontentamento nessas minorias não é a inexistência de uma união nacional, mas a inexistência do direito de usar a língua materna. Permiti-lhes que se sirvam da sua língua materna, e o seu descontentamento perderá toda a base.

O que provoca descontentamento nessas minorias não é a inexistência de uma união artificial, mas a inexistência nelas de escolas na sua língua materna. Dai-lhes essas escolas, e o descontentamento perderá toda a base.

O que provoca descontentamento nessas minorias não é a inexistência de uma união nacional, mas a inexistência da liberdade de consciência, de movimentos, etc. Dai-lhes essas liberdades, e deixarão de estar descontentes.

Temos, pois, a igualdade de direitos sob todas as suas formas (idioma, escolas, etc.) como ponto indispensável para a solução do problema nacional. Uma lei geral do Estado, baseada na plena democratização do país e que proíba todos os privilégios nacionais sem exceção e todas as restrições e limitações de qualquer espécie, opostas aos direitos das minorias nacionais.

Nisto e somente nisto poderá estar a garantia real e não fictícia dos direitos das minorias.

Poderá discutir-se ou não a existência de uma relação lógica entre o federalismo na organização e a autonomia nacional-cultural. O que não se pode discutir é que esta cria uma atmosfera propícia a um federalismo ilimitado, que passa logo a ser rompimento, separatismo. Se os checos na Áustria e os elementos do Bund na Rússia, começando pela autonomia e passando logo para a federação, foram acabar no separatismo, é que desempenhou nisto tudo um papel importantíssimo a atmosfera nacionalista naturalmente propagada pela autonomia nacional. O facto de a autonomia nacional e a federação em matéria de organização se darem as mãos não é casual. A coisa é lógica. Tanto uma como outra exige a delimitação por nacionalidades. Tanto uma como outra pressupõe a organização por nacionalidades. A analogia é fora de dúvida. A única diferença está em que na primeira se separa a população em geral e na segunda os trabalhadores social-democratas.

Sabemos quais são os resultados da separação dos trabalhadores por nacionalidades. A desintegração de um Partido operário único, a divisão dos sindicatos por nacionalidades, a exacerbação das rivalidades nacionais, o aparecimento de fura-greves nacionais, a completa desmoralização nas fileiras da social-democracia: eis os frutos do federalismo na organização. A história da social-democracia na Áustria e a atuação do Bund na Rússia o comprovam eloquentemente.

O único meio de evitar isso é a organização segundo os princípios do internacionalismo.

A coesão dos trabalhadores de todas as nacionalidades da Rússia em coletividades únicas e íntegras na base e a sua coesão no Partido único: eis o objetivo.

Daí se deduz que esta organização do Partido não exclui, antes pressupõe uma ampla autonomia das regiões no todo único do Partido.

A experiência do Cáucaso serve para demonstrar a vantagem desse tipo de organização. Se os caucasianos conseguiram suplantar as rivalidades nacionais entre os trabalhadores arménios e tártaros, se conseguiram defender a população das matanças e dos ataques armados, se em Bacu, neste caleidoscópio de grupos nacionais, já não são possíveis hoje os choques de caráter nacional, se ali foi possível levar os trabalhadores pela estrada comum de um poderoso movimento — nisso tudo teve um papel preponderante a estrutura internacional da social-democracia caucasiana.

Mas o tipo de organização não influi somente no trabalho prático. O trabalhador vive a vida da sua organização, cresce espiritualmente e se educa dentro dela. Por isso, ao mover-se no seu seio e ao encontrar-se sempre com camaradas de outras nacionalidades, empenhando-se conjuntamente com eles numa luta comum, sob a direção da coletividade comum, vai-se compenetrando profundamente da ideia de que os trabalhadores são, antes de tudo, membros de uma só família de classe, soldados do exército único do socialismo. E isto não pode deixar de ter uma importância educativa imensa para as grandes camadas da classe trabalhadora.

Por isso o tipo internacional de organização é uma escola de sentimentos de camaradagem, a agitação maior em favor do internacionalismo.

Assim não acontece com a organização por nacionalidades. Organizados à base da nacionalidade, os trabalhadores se encerram em suas crisálidas nacionais, separando-se uns dos outros por efeito das barreiras de organização. Não se salienta aquilo que é comum aos trabalhadores, mas aquilo em que eles diferem uns dos outros, Aqui o trabalhador é, antes de tudo, integrante da sua nação, judeu, polaco, etc. Não é de estranhar que o federalismo nacional em matéria de organização alimente nos trabalhadores o espírito de isolamento nacional.

Por isso, o tipo nacional de organização é a escola da estreiteza de vistas e do anquilosamento nacionais.

Temos, pois diante de nós dois tipos de organização fundamentalmente distintos: o tipo da coesão internacional e o da delimitação por nacionalidades na organização dos trabalhadores.

Até boje as tentativas que se fizeram para conciliar esses dois tipos de organização não deram resultado.

Os estatutos conciliatórios da social-democracia austríaca, elaborados em Wimberg em 1897, ficaram flutuando no ar. O partido austríaco se fracionou, arrastando os sindicatos. A “conciliação” foi utópica e, além disso, nociva. Strasser tem razão quando afirma que o “separatismo obteve o seu primeiro triunfo no Congresso de Wimberg”[104].

Outro tanto sucede na Rússia. A “conciliação” com o federalismo do Bund, realizada no Congresso de Estocolmo, terminou numa completa bancarrota. O Bund rompeu o compromisso assumido em Estocolmo. No dia seguinte ao Congresso de Estocolmo o Bund se converteu num obstáculo à união local dos trabalhadores numa organização única, que englobasse os trabalhadores de todas as nacionalidades. E o Bund prosseguiu tenazmente nessa sua tática separatista, embora tanto em 1907 como em 1908 a social-democracia da Rússia, exigisse repetidas vezes que fosse realizada afinal a unidade pela base entre os trabalhadores de todas as nacionalidades[105]. Tendo começado pela unidade nacional na organização, o Bund foi de facto para a federação para acabar num completo rompimento, no separatismo. E, rompendo com a social-democracia da Rússia, trouxe para as fileiras desta a confusão e a desorganização. Basta recordar, como exemplo, o caso de Yagelo[106].

Por isso o caminho da “conciliação” deve ser posto de lado como utópico e nocivo.

Das duas, uma: ou o federalismo do Bund e então a social-democracia da Rússia terá de reorganizar-se segundo os princípios da “delimitação” dos trabalhadores por nacionalidades; ou o tipo internacional de organização e o Bund terá de reorganizar-se segundo os princípios da autonomia territorial, segundo o modelo da social-democracia caucasiana, letã e polaca, abrindo o caminho para a causa da unificação imediata dos trabalhadores judeus com os trabalhadores das demais nacionalidades da Rússia.

Não há meio termo: os princípios vencem, mas não se “conciliam”.

Temos, pois, o princípio da coesão internacional dos trabalhadores como ponto indispensável para a solução do problema nacional.

Viena, janeiro de 1913

 

Notas

[a] Primeira Edição: “Prosveschenie”, números 3-5 — março-maio de 1913. Fonte: Editorial Vitória Ltda., Rio, 1946. Tradução de Brasil Gerson. Pág: 5-84. Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo. Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.

[1] O trabalho de Stáline O marxismo e o problema nacional, redigido em fins de 1912 e princípios de 1913, em Viena, foi impresso pela primeira vez em 1913, nos números 3-5 da revista bolchevique Prosveschenie (Ilustração), com a assinatura de K. Stáline e sob o título O problema nacional e a social-democracia. Em 1914, foi editado em folheto sob o título O problema nacional e o marxismo e publicado pela editora Priboy (São Petersburgo). Em 1920, foi reeditado pelo Comissariado para as Nacionalidades numa Coletânea de artigos de Stáline sobre o problema nacional (Editorial do Estado, Tula). Essa coletânea trazia um Prólogo do autor, no qual se expõem as circunstâncias em que foram redigidos os artigos que passam a fazer parte da citada Coletânea.

No Prólogo do autor, referindo-se precisamente a esse artigo — O marxismo e o problema nacional —, Stáline escreve: «... Este artigo reflete um período de discussões de princípios sobre o problema nacional no seio da social-democracia da Rússia, na época da reação czarista e latifundista, ano e meio antes de estalar a guerra imperialista, época do crescimento da revolução democrático-burguesa na Rússia. Defrontavam-se então duas teorias sobre a nação e, portanto, dois programas nacionais: o austríaco, apoiado pelo Bund e pelos mencheviques, e o russo, bolchevique. No artigo, encontrará o leitor a caracterização das duas correntes. Os acontecimentos posteriores, e especialmente a guerra imperialista e o desmembramento da Áustria-Hungria em diferentes Estados nacionais, mostraram com toda evidência de que lado estava a razão. Hoje, quando Springer e Bauer contemplam os escombros do seu programa nacional, já não se pode duvidar de que a história condenou a “escola austríaca”. Até o Bund teve de reconhecer que “a reivindicação da autonomia nacional-cultural (isto é, o programa nacional austríaco — J. St.) formulada nos quadros do regime capitalista, perde o seu sentido sob as condições da revolução socialista” (v.. A XII Conferência do Bund, 1920). O Bund nem ao menos suspeita que com isso reconheceu (e o reconheceu sem querer) a insolvência de princípio dos fundamentos teóricos do programa nacional austríaco, a insolvência de princípio da teoria austríaca da nação».

É a esse artigo de Stáline — O marxismo e o problema nacional — que Lénine se referia quando escreveu a Gorki, na segunda quinzena de fevereiro de 1913: “Encontra-se agora entre nós um magnífico georgiano, que escreve um grande artigo para a Prosveschenie, para cujo fim reuniu todos os materiais austríacos e outros”.

E quando esse trabalho foi publicado, Lénine muito o apreciou no seu artigo Sobre o programa nacional do P. O. S. D. R., nas colunas da revista O Social-democrata, n.º 32, de 28 (15) de dezembro de 1913. Indicando as causas que, naquele período, colocaram o problema nacional em lugar proeminente, Lénine escrevia: “Na literatura doutrinária marxista, essa situação e os fundamentos do programa nacional da social-democracia já foram analisados ultimamente (aqui se destaca, em primeiro lugar, o artigo de Stáline)”.

[102] Refere-se à primeira guerra balcânica, que irrompeu em outubro de 1912, entre a Bulgária, a Sérvia, a Grécia e o Montenegro de um lado e a Turquia de outro. Essa guerra foi o fruto dos choques entre os interesses das potências da Entente (França, Inglaterra e Rússia) e os interesses das potências da Tríplice Aliança (Alemanha, Áustria-Hungria e Itália), na península balcânica. Essa guerra, como a segunda guerra (1913) nos Balcãs, que irrompeu entre os aliados de ontem pela divisão da presa de guerra e que acabou com a derrota da Bulgária, nada mais fez do que apertar o nó das contradições entre os imperialistas nos Balcãs e foi o prólogo da guerra imperialista mundial.

[103] Memória da VIII Conferência do Bund – final da resolução relativa às comunidades.

[104] Strassser, Der Arbeiter und die Nation, 1912.

[105] Refere-se aqui às resoluções da IV Conferência (também conhecida sob o nome de III Conferência Pan-russa, do POSDR, que se reuniu de 18 (5) a 25 (12) de novembro de 1907, e da V Conferência (a chamada Conferência de Dezembro) do POSDR, que se reuniu de 3 a 9 de janeiro de 1909 (21 a 27 de dezembro de 1908, segundo o velho calendário).

[106] Refere-se a um deputado de Varsóvia, Yagelo, membro da ala “esquerda” do Partido Socialista Polaco, eleito para a IV Duma do Estado por meio de um bloco dos partidários do Bund e do P. S. Polaco com os nacionalistas burgueses judeus, contra os votos dos delegados-eleitores social-democratas poloneses, que representavam a maioria no colégio eleitoral operário. A fração social-democrática da IV Duma, graças ao facto de que nela predominavam os liquidacionistas, admitiu no seu seio esse deputado não social-democrata, apoiando desse modo o passo divisionista do Bund e aprofundando a cisão entre os operários da Polónia. Veja-se o artigo de Stalin, Yagelo, um intruso na fração social-democrática, Pravda, n. 182, 1 de dezembro de 1912.

 

Fonte: publicado em https://www.marxists.org/portugues/stalin/1913/01/01.htm, acedido em 2018/03/09.

 

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