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Polo do Renascimento Comunista em França (PRCF)

 

Como poderia a parte ocidental da Alemanha, a mais vasta, claramente menos afetada pelas destruições da guerra (o essencial dos combates deu-se a leste, pois a derrota dos nazis deve-se às vitórias do exército soviético), nomeadamente a rica região da Baviera e o Rur, dispondo dos principais portos e, sobretudo, dispensada de pagar os prejuízos da guerra e recebendo ajuda massiva dos EUA, não ser mais atrativa do que a parte oriental, mais pequena e totalmente destruída, especialmente para os milhões de alemães que regressavam dos países de leste onde se tinham instalado?

 

 

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Hoje [1], os média celebram os 25 anos da queda do muro de Berlim. Discursos combinados retomando os slogans dos vencedores da guerra fria. Quem se espanta com esta autocelebração barulhenta da queda de um muro, enquanto por todo o lado há um silêncio mediático ensurdecedor, são os primeiros construtores do muro da vergonha, de que foram mestres-de-obras os EUA, Israel ou, ainda hoje, na Europa, a junta pró UE de Kiev.

 

Quantos editorialistas para louvar a reunificação que, supostamente, levou a riqueza da RFA a esta RDA, apresentada como um falhanço total, e quantos para falar desta realidade censurada, num momento em que a crise do capitalismo se agrava, que a pobreza impressiona e em que a guerra está de novo na Europa, dos numerosos alemães que lamentam o fim da RDA. É importante sublinhar que os “democratas” capitalistas nem sequer se deram ao trabalho de recorrer a um  referendo para perguntar a opinião dos alemães orientais sobre a reunificação. No plano económico, trata-se de repartir o mais depressa possível e a preço de saldo as riquezas desta RDA, o 8.º país mais rico do mundo.

 

25 anos mais tarde, desemprego, corte de salários, UE totalitária e a guerra no horizonte: os trabalhadores festejam a queda do muro

 

25 anos depois da queda do muro, os trabalhadores devem colocar-se a questão de saber se o afundamento do bloco de leste – que impôs aos países ocidentais, só pela sua existência, o dever de assegurar um mínimo de direitos para os trabalhadores – trouxe para si algum progresso. Uma vez digeridos os países de leste, a crise económica reavivou-se com novo vigor; os nossos salários estão em queda livre, os direitos dos trabalhadores e a proteção social desaparecem clamorosamente sob os ataques do patronato. A extrema direita está a ser estimulada e a guerra faz o seu aparecimento na Europa (Jugoslávia, Ucrânia...).

No  leste, o milagre económico não aconteceu.

Os ex-países do leste, integrados na UE em marcha forçada, apresentam salários de miséria, permitindo um dumping social desenfreado no seio da União Europeia do capital. Desindustrialização, desemprego, confisco da soberania popular por uma UE cada vez mais totalitária. Sim, os trabalhadores deveriam fazer um balanço para saber se devem – com os senhores dos média da oligarquia capitalista – celebrar a queda do muro de Berlim. 

 

25 anos depois da queda do muro, a dura realidade em números: desemprego, salários...

 

Longe desta vaga de propaganda – demonstrando ao mesmo tempo que a liberdade, segundo a democracia burguesa, é completamente capaz de defender a ditadura da classe capitalista – www.iniciative-communiste.fr propõe-vos examinar alguns números, 25 depois da reunificação.

 

Saudades da Alemanha Oriental

 

Mais de 20 anos depois da queda do muro de Berlim, são numerosos os alemães orientais a lamentar a queda da Alemanha de Leste, a RDA, e o seu pleno emprego, como se prova designadamente com uma sondagem do Instituto Leipzig para a revista Super Illu e uma sondagem do Instituto Emid para o Berliner Zeitung.

 Uma maioria é de opinião que a ex-RDA tinha “mais aspetos positivos do que negativos”. Verifique:

 

  • 49% dos habitantes da ex-RDA pensam que “havia alguns problemas, mas globalmente vivia-se bem” e 8% sublinham que “a RDA tinha sobretudo aspetos positivos e que lá se vivia melhor e de maneira mais feliz do que na Alemanha reunificada de hoje”: são 57% dos alemães de leste que – podendo fazer a comparação hoje – defendem a RDA. Está-se longe, muito longe, da propaganda mediática desses dias;
  • 34% dos habitantes de Berlim-leste consideram-se ainda como berlinenses de leste;
  • 17%% dos alemães de leste aprovam a frase: «Era melhor que o muro não tivesse caído»;
  • 52% dos alemães de leste consideram-se tratados como “cidadãos de 2ª classe”;
  • 44% dos desempregados desejam o regresso do regime comunista que dava trabalho e habitação a toda a gente.

É verdade que a queda do muro de Berlim, longe de se traduzir num aumento do nível de vida, traduziu-se numa vaga de privatizações maciças das indústrias da Alemanha  do Leste (não era preciso fazer concorrência ao capitalismo da Alemanha Ocidental!), tendo dado lugar, por consequência, a uma coisa totalmente nova para os alemães do leste: o aparecimento do desemprego. Um desemprego de massas. Porque na RDA, é preciso lembrá-lo, não havia desemprego. A partir de 1990, havia 1 milhão de desempregados indemnizados, 3 milhões de ativos em situação de subemprego para cerca de 9 milhões de ativos. Uma verdadeira catástrofe económica.

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Evolução das taxas de desemprego na RFA e RDA entre 1991 e 2011. Fonte: Arbeitskreis Volkswirtschaftliche Gesamtrechnung der Länder, cálculos do autor  * dados CVS.

 

25 anos mais tarde, as regiões da ex-RDA são afetadas por uma taxa de desemprego que é o dobro da da RFA. A diferença é completamente gritante se se colocar as taxas de desemprego num mapa, para 2012.

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 Comparação das taxas de desemprego RDA – RFA 2012 – fonte

 

[1º mapa: taxa de desemprego dos menores de 25 anos RDA/RFA 2012

2º mapa:   taxa de desemprego dos de mais de 55 anos

3ª mapa:  taxa de desemprego RDA/RFA 2012]

 

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Comparação das taxas de desemprego (homens/mulheres) RDA – RFA 2012 - fonte

[1º mapa: mulheres

2º mapa: homens]

 

Entre 1991 e 2000, o número de empregos no setor industrial no leste diminuiu para perto de metade, enquanto a produção por ativo ocupado aumentou 1,7 (1,1 no mesmo período na Alemanha Ocidental) ultrapassando então em 10 pontos a produtividade da RFA...

 

Reunificação?  A sério? Clivagem nos níveis de vida

 

 

Dois miúdos alemães conversam, um de cada lado do muro de Berlim.

O da RFA tem uma laranja e gaba-se disso junto do da RDA:

- Tenho laranjas, nha,nha,nha…

O  outro pensou e respondeu:

-Sim, mas eu tenho o socialismo, nha, nha, nha!

O miúdo da RFA replica:

- sim, mas não tens laranja…

O muro cai, o miúdo do leste pergunta ao do oeste:

-onde é que está a minha laranja?

O miúdo do oeste responde:

- Mas onde é que tu julgas que estás? No socialismo, não?

 

Segundo os média, foi o atraso económico e o nível de vida inferior na RDA que teriam empurrado os alemães de leste a derrubarem o muro, para alcançarem o mesmo nível de vida. Logicamente, 25 anos depois da queda do muro em Berlim, (quase metade da vida da RDA, de qualquer forma), as diferenças deveriam ter sido ultrapassadas.

É forçoso constatar que não é absolutamente o caso.

O rendimento por habitante continua a ser 33% inferior ao da RFA, mantendo-se a diferença de antes da queda do muro. A queda do muro, de facto, não teve efeitos reais sobre os rendimentos dos alemães de leste.

 

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Fonte : Arbeitskreis Volkswirtschaftliche Gesamtrechnung der Länder,  cálculos do autor.

[Gráfico, por ordem da legenda:
Rendimento primário oeste-alemão
rendimento primário na Alemanha de Leste
Rendimento disponível oeste-alemão


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Longe de ser acompanhado por um movimento de recuperação salarial, foi de facto uma compressão relativa dos salários que se deu no leste, como o demonstra o gráfico seguinte para os salários na indústria. Desde 1993, deu-se um movimento de abaixamento dos salários, proporcionalmente mais significativo a leste do que no ocidente. Desde 2002, os custos unitários do salário na indústria tornaram-se inferiores no leste… De passagem, este gráfico demonstra igualmente a política de intensa guerra aos salários movida na RFA desde a queda da RDA.

 

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Fonte: Arbeitskreis Volkswirtschaftliche Gesamtrechnung der Länder, cálculos do autor. Barras do gráfico: custos unitários do trabalho; curva do gráfico: custos do trabalho do leste comparados com os do ocidente.

[No gráfico, por ordem da legenda: Alemanha ocidental; Alemanha do Leste; Alemanha do Leste/Alemanha ocidental = 100]

 

25 anos mais tarde, os cargos dirigentes ficam para os alemães do oeste, enquanto os alemães de leste têm de se contentar com funções subalternas.

Estrutura do emprego na Alemanha ocidental e de leste (1º trimestre de 2010)

 

Função/qualificação

Alemanha do oeste¹)

Alemanha do leste

Posição dirigente

10,9

8,8

Atividades altamente qualificadas mas não dirigentes

23,7

19,9

Qualificação de nível médio

41,6

49,3

Técnicos especializados  

15,3

15,9

Funções simples

8,5

6,1

Total

100

100

 

Fonte : Statistisches Bundesamt. ¹) Berlim incluída. http://rea.revues.org/4176

 

Se os rendimentos do trabalho continuam muito inferiores aos do ocidente, isto também é verdade para os rendimentos do património.

Em 2008, por ano e por habitante, o rendimento do património era apenas um pouco mais de 2000 € (em termos líquidos) no leste, contra não menos de 5 200€ no ocidente. Certamente, os alemães de leste viram crescer claramente o seu património, mas este está longe de alcançar o nível do do ocidente; e a poupança que eles retiram dos seus rendimentos correntes é também inferior à dos alemães ocidentais. 

Esta diferença de rendimentos é equivalente à diferença entre transferências sociais (Impostos sobre o rendimento, contribuição social e prestações sociais monetárias) dos quais, em 2008, os alemães de leste recebiam 3 300€ mais do que os alemães ocidentais… De que serve elogiar tanto as transferências sociais do ocidente, apresentadas com tanta vozearia.

 

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Fonte: Arbeitskreis Volkswirtschaftliche Gesamtrechnung der Länder, cálculos do autor.

 

Passaram duas décadas sobre a reunificação da Alemanha. Porém, se as regiões da ex-RDA se integraram no modelo capitalista  e nas instituições da RFA, continuam longe da riqueza da RFA.

 

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 Fonte: Arbeitskreis Volkswirtschaftliche source: Gesamtrechnung der Länder,  cálculos do autor. Estado: 2008

 [Legenda do gráfico, por ordem: Regiões da Alemanha ocidental; regiões da Alemanha oriental]

 

Sobre a imigração leste-oeste, antes e depois da queda do muro

Registou-se uma imigração muito importante da RDA para a RFA nos anos posteriores à guerra. Como poderia a parte ocidental da Alemanha, a mais vasta, claramente menos afetada pelas destruições da guerra (o essencial dos combates deu-se a leste, pois a derrota dos nazis deve-se às vitórias do exército soviético), nomeadamente a rica região da Baviera e o Rur, dispondo dos principais portos e, sobretudo, dispensada de pagar os prejuízos da guerra e recebendo ajuda massiva dos EUA, não ser mais atrativa do que a parte oriental, mais pequena e totalmente destruída, especialmente para os milhões de alemães que regressavam dos países de leste onde se tinham instalado? Fala-se de 3 milhões de imigrantes do leste para o ocidente. Isto não quer dizer que ninguém do ocidente tenha imigrado para a RDA. Segundo estimativas, 700 000 alemães da RFA emigraram para a RDA.

O que é preciso sublinhar é que, ao contrário da RFA, que fazia tudo para estimular a imigração com fins de propaganda ideológica, a RDA tinha, pelo contrário, uma política dissuasiva, recusando cerca de 30% dos pedidos de imigração, depois recusando os pedidos de re-imigração dos regressados do ocidente.

É igualmente importante recordar que a decisão de dividir a Alemanha foi o resultado das iniciativas ocidentais (reunificação das zonas, criação do marco alemão…) e não de exigências da parte soviética.

Se a propaganda ocidental se serviu desta realidade complexa das migrações RFA-RDA – qualificando-a como voto com os pés – convém notar que, 25 anos depois da queda do muro, e agora que a RDA já não existe e que não se pode imputar a acusação ao modelo socialista, as migrações da ex-RDA para a RFA continuam.

Os ativos, em particular os jovens, continuam a emigrar das regiões da ex-RDA para a RFA, ao mesmo tempo que a queda brutal da natalidade (dividida por dois), contribui para o envelhecimento acelerado da população do leste.

 

RDA / RFA : sociologia política das anedotas

Depois de todos estes números, terminamos com uma nota menos séria, mas nem por isso menos instrutiva: duas anedotas que circulavam no ocidente ou no leste depois da reunificação:

  • No leste: «Uma pessoa do lado oriental diz a outra:

    - Qual é o teu trabalho agora?

    - Bem, precisamente nada, é um belo trabalho.

    - Mas que grande concorrência!»

  • No ocidente: Um chefe de pessoal a um alemão oriental, candidato a um emprego:

    «Não acha que as suas pretensões salariais são um pouco elevadas? O senhor não tem nenhuma qualificação, não tem experiência e quer 10 000 marcos por mês?»

    Responde o alemão oriental .«Oh, o trabalho é muito mais duro quando não se sabe o que é!».

 

JBC para www.initiative-communiste.fr site web do PRCF

 

Notas

[1] Publicado inicialmente em 9 de novembro de 2014, em www.initiative-communiste.fr sítio web do PRCF: https://www.initiative-communiste.fr/articles/luttes/25-ans-apres-chute-du-mur/ 

Fonte: publicado em https://www.initiative-communiste.fr/articles/europe-capital/le-triste-bilan-de-la-reunification-allemande-pour-lest-25-ans-apres-la-chute-du-mur-la-dure-realite-en-chiffres-chomage-revenus/

Tradução do francês de TAM

 

 

 

 

 

 

 

 

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