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Gary Dagorn e Stéphane Horel

 

Frequentemente, a palavra “lobing” liga-se aos deputados. Mas, a influência sobre os eleitos exerce-se apenas no final do processo. Para ser eficaz, é essencial intervir o mais cedo possível sobre a conceção e a redação da lei, seja para a alterar, diluir, atrasar ou ... para a eliminar.

Essa “captura do regulador”, como a apelida uma teoria económica liberal, enunciada na década de 1970, tem, portanto, como alvo preferencial os funcionários da Comissão Europeia, já que é esta que detém o poder de iniciativa legislativa.

 

 

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Eleições europeias 2019. AGATHE DAHYOT / «Le Monde»

 

 

Não foram muito falados na campanha que terminou para as eleições europeias, mas os lobistas concentram cada vez mais críticas, à medida que vai sendo documentada a sua influência na elaboração das leis europeias.

O registo comum da Comissão e do Parlamento conta, atualmente, com cerca de 11 800 organizações declaradas como representantes de interesses junto dos decisores e funcionários da União Europeia (UE). O número de equivalentes a tempo inteiro por eles declarado é de 24 894. A organização não governamental Transparency International estima em cerca de 26 500 o número de lobistas presentes, regularmente, em Bruxelas, e em cerca de 37 300 o número de pessoas envolvidas em atividades de lóbi na capital belga. Esta concentra, assim, o segundo maior batalhão de lobistas do mundo, depois da capital federal norte-americana, Washington, DC.

 

Cada vez mais lobistas estão registados em Bruxelas

Número de organizações registadas como representantes de interesses no Parlamento e na Comissão Europeia, por tipo.

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Evolução de junho de 2011 a maio de 2019 –
1.ª linha horizontal: 2 500; 3.ª linha horizontal: 7 500; 5.ª linha horizontal: 12 500
Fonte: Comissão Europeia

O acordo de junho de 2011, revisto em 2014 e estabelecendo o registo de lobistas, define-os pela atividade que realizam, independentemente do seu estatuto jurídico. Isto inclui “todas as atividades realizadas com o objetivo de influenciar direta ou indiretamente a elaboração ou a implementação das políticas e processos de decisão das instituições da União, qualquer que seja o local onde são realizadas e qualquer que seja o canal ou o modo de comunicação utilizado”.

 

Quanto gastam eles?

O setor representa um negócio estimado em 3 mil milhões de euros por ano na UE, segundo os trabalhos do investigador de ciência política Dieter Plehwe, publicados em 2012, com base em cerca de 5.000 organizações então constantes no registo.

Mas estes números estão, provavelmente, muito abaixo da realidade de hoje.

Só os lobistas mais influentes gastam vários milhões de euros por ano. O Conselho Europeu da Indústria Química, por exemplo, gasta 12 milhões de euros por ano e emprega 78 lobistas, representando 49 equivalentes a tempo inteiro, 23 dos quais são credenciados para o Parlamento Europeu e podem aí aceder como bem entendam. Entre os maiores lobistas, encontra-se também a empresa FleishmanHillard, que estabeleceu, ilegalmente, em 2016, por conta da agroquímica Monsanto, uma lista de personalidades classificadas segundo a sua presumida opinião sobre o glifosato. A empresa emprega 60 lobistas, quase todos com acesso ao Parlamento, e gasta um pouco menos de 7 milhões de euros por ano para defender os interesses dos seus clientes junto dos decisores europeus.

Um pouco menos gastador, mas muito mais ativo (no registo), a Google é um dos mais importantes lobistas de Bruxelas. O grande grupo digital emprega apenas 15 representantes, mas encontraram-se oficialmente 220 vezes com membros da Comissão Europeia.

 

Quem são os lobistas?

Os “lóbis” significam tudo e nada. A profissão de lobista, por outro lado, declina-se sob diferentes formas.

Os lobistas “caseiros” (ou “interiores”): são os que se encontram em maior número em Bruxelas. São empregados diretamente pelas empresas ou pelas associações industriais (associações comerciais) agrupadas por setor, de que são membros. Os seus nomes vão desde o acrónimo mais abstrato, como o da ECPA (para Associação europeia para a proteção das culturas) até ao mais explícito Europatat, criado em 1952 pelos produtores de ... batatas. Outro exemplo, a Câmara Americana de Comércio, ou “AmCham” não é uma câmara de comércio, mas uma organização que representa os interesses de cerca de 60 grandes empresas norte-americanas, como a Chevron, a Mars, a Pfizer ou a Walt Disney Company.

Os gabinetes de lóbi: trata-se de consultores contratados por empresas de lóbi e de relações públicas, como a APCO, a Burson Marsteller ou a FleishmanHillard. De acordo com Sylvain Laurens, professor na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS) e autor do livro os Corretores do capitalismo, meios de negócios e burocratas em Bruxelas (Agone, Marselha, 2015), um consultor “júnior” ganha cerca de 2.000 euros por mês, enquanto um “sénior” pode subir até aos 6.000 euros. Um cargo de responsabilidade como funcionário na Comissão Europeia começa em cerca de 4.000 euros.

Os escritórios de advogados: intervêm tanto a montante, no momento da redação da lei, como a jusante, para, eventualmente, a contestar em tribunal.

Os think tanks (laboratórios de ideias): nunca neutros, ao contrário do que pretendem mostrar, os think tanks são importantes veículos de influência. Um dos principais, o Friends of Europe (FoE), conta entre os seus membros com industriais de setores muito variados: finança, medicina ou digital. O FoE declarou 3,8 milhões de euros em despesas de lóbi no registo de transparência da União Europeia, em 2018.

Os escritórios de defesa de produtos: desconhecidos do grande público e da maioria dos decisores, vendem os seus serviços a empresas e associações profissionais. Exponent, Gradient ou The Weinberg Group empregam cientistas (estatísticos, toxicologistas, engenheiros, etc.) para produzirem estudos que ajudarão a manter a dúvida sobre a perigosidade dos produtos perante veleidades de regulamentação.

 

Quem influenciam eles em Bruxelas?

Frequentemente, a palavra “lobing” liga-se aos deputados. Mas, a influência sobre os eleitos exerce-se apenas no final do processo. Para ser eficaz, é essencial intervir o mais cedo possível sobre a conceção e a redação da lei, seja para a alterar, diluir, atrasar ou ... para a eliminar.

Essa “captura do regulador”, como a apelida uma teoria económica liberal, enunciada na década de 1970, tem, portanto, como alvo preferencial os funcionários da Comissão Europeia, já que é esta que detém o poder de iniciativa legislativa.

Os “oficiais políticos” (responsáveis pelas políticas públicas): são eles o primeiro estádio da elaboração da lei. Vêm depois os seus chefes de unidades e os seus diretores. No topo da hierarquia administrativa, os diretores gerais, e, no topo da hierarquia política, os comissários, apenas solicitados para problemas proporcionais ao seu poder, e de igual para igual. Não se envia um “júnior” para discutir com o comissário para a indústria, por exemplo, mas o CEO de um grande grupo.

Os “grupos de peritos”: um défice de especialistas internos, desde muito cedo, na construção europeia, levou a Comissão a basear-se nesses grupos. Reunidos pelas direções gerais (DG da Concorrência, DG da Energia, DG da Investigação, etc.), os “peritos” podem ser representantes dos Estados membros – a maioria – académicos, membros de ONG ou lobistas. É possível enumerar perto de 800 destes grupos. A sua composição pouco transparente e desequilibrada é, regularmente, objeto de críticas, designadamente do Provedor da UE, Emily O'Reilly. O grupo de peritos em políticas fiscais da UE, por exemplo, incluía a PricewaterhouseCoopers (PwC), uma empresa que aconselhou mais de 350 multinacionais na sua “otimização fiscal”, como as “LuxLeaks” o revelaram, no outono de 2014.

As agências reguladoras (e os seus comités científicos): um pouco à parte da criação da lei bruxelense, são também os alvos de um lóbi muito técnico. A Agência do Medicamento (EMA, em Londres, depois Amsterdão) ou de produtos químicos (ECHA, em Helsínquia, na Finlândia), são responsáveis ​​por monitorizar setores muito regulamentados. E quem diz regulamentação, diz, necessariamente, lóbi. Após uma dezena de anos, a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA), localizada em Parma, na Itália, é fortemente criticada pela sua proximidade com os industriais dos setores que deve controlar e por conflitos de interesses no seio dos seus painéis de especialistas. Em 2017, a ONG Corporate Europe Observatory calculou que quase metade dos seus peritos estavam ligados à indústria.

 

Como influenciam o processo legislativo europeu?

Passar a mensagem certa, no momento certo e à pessoa certa constitui a essência do lóbi. Embora a influência possa ser opaca, os métodos utilizados pelos profissionais da persuasão são bem conhecidos e, acima de tudo, legais. As propostas de emendas que chocam tanto a opinião pública são o pão nosso de cada dia no Parlamento. Além disso, são redigidas pelos representantes de interesses comerciais e, também, pelas ONG. No entanto, elas representam apenas uma parte das ferramentas de lóbi.

A prática quotidiana do lóbi é mais terra a terra, talvez mais burocrática do que imaginamos. Convencer os decisores europeus requer, em primeiro lugar, um perfeito conhecimento dos procedimentos legislativos e do funcionamento da administração, bem como um domínio impecável das subtilezas hierárquicas dos organogramas. É por isso que as empresas de lóbi gostam de recrutar pessoas que passaram por uma ou mais posições na Comissão. chamamos a estes transferentes (muitas vezes sem retorno) do público para o privado, de sistema de portas giratórias – ou de portas cilíndricas.

A “mensagem certa” assume, na maioria das vezes, a forma de um documento de posição (position paper) elaborado pelo setor ou por uma empresa, sobre um projeto legislativo. É escolhido em reuniões, por e-mail, em peças anexas, em pequenas conferências e eventos organizados dentro do próprio Parlamento. Repetir e multiplicar os canais de transmissão, tal é a receita para se ser ouvido.

O “momento certo” baseia-se no processo de decisão, seja nas discussões internas da Comissão, no debate no Parlamento, nas negociações no Conselho, ou nos “diálogos a três”, fase final da procura de compromisso entre as três instituições europeias.

A “pessoa certa”, finalmente, depende da situação do processo. Para os lobistas trata-se de estabelecer relações fluidas com os funcionários responsáveis ​​pelo dossier ou com os eurodeputados. Do lado da Comissão, chama-se a isto “diálogo com as partes interessadas”.

 

Como são supervisionados?

As atividades de lóbi são muito pouco supervisionadas e as medidas que se lhe destinam são relativamente recentes. A mais antiga é o registo de transparência do Parlamento Europeu, sob o qual os lobistas, desde 1995, são convidados a registar-se. A Comissão teve também, resumidamente, o seu próprio registo, criado em 2008.

Estes registos foram depois fundidos para criar, em junho de 2011, um registo comum às duas instituições, mas que os representantes de interesses ainda não são sempre obrigados a seguir. Um estudo publicado em 2013 na revista Interest Group & Advocacy estimou que cerca de 75% dos representantes do setor privado e 60% das ONG constavam do registo. De acordo com o Corporate Europe Observatory, até 2013, uma centena de grandes empresas, como a Apple, a Heineken, a Nissan, ou ainda bancos como o HSBC e a UBS estavam dele ausentes.

Sob pressão das ONG e da sociedade civil, a Comissão Juncker tornou obrigatório o registo para os lobistas, em 1 de dezembro de 2014, caso desejem reunir-se com os comissários europeus, membros do seu gabinete, ou diretores gerais da Comissão (a lista de reuniões está disponível em IntegrityWatch, uma iniciativa da ONG Transparency International). Um incentivo que permitiu que o registo quase duplicasse o número de organizações declaradas, entre o final de 2014 e 2019, mas isso não resolveu a falta de confiança nas informações, criticada desde a sua criação. Uma pesquisa do Observatório Coporate Europe mostrou, designadamente, que os gastos relatados pela Monsanto não eram consistentes com as receitas declaradas dos seus lobistas.

Tornar o registo obrigatório vai demorar: após dois anos de negociações, os trabalhos foram suspensos.

A promessa inicial de Jean-Claude Juncker, que o candidato apresentara como prioritária, de tornar o registo obrigatório e aplicável também ao Conselho da UE, teve, porém, de esperar até setembro de 2016 para que a Comissão apresentasse a proposta formal. E para um resultado nulo: depois de dois anos de laboriosas negociações, os trabalhos foram suspensos, no verão de 2018, pelo vice-presidente da comissão, Frans Timmermans, que considerou muito tímida a vontade das instituições de criar um verdadeiro registo, único e obrigatório.

O fracasso da proposta fez, no entanto, reagir os eurodeputados, que votaram, em 31 de janeiro de 2019, uma reforma do seu regulamento interno, com uma emenda dos Verdes, adotada por uma maioria muito estreita (quatro votos), apesar da oposição do Partido Popular Europeu (PPE, direita). Aquela emenda obriga agora os eurodeputados mais responsáveis pelos dossiers legislativos (os relatores, os relatores-sombra e os presidentes de comissões) a publicar a lista de todas as reuniões agendadas com os lobistas.

As negociações entre as três instituições, retomadas em fevereiro, não duraram sequer dois meses antes de fracassarem de novo. Em causa estão “os membros do Conselho da UE, que recusam qualquer compromisso vinculativo, o Parlamento, que arrasta os pés, e a Comissão, que recusa qualquer alteração à sua proposta inicial”, explica Margarida Silva, investigadora da ONG Observatório Corporate Europe. “O fracasso das negociações é particularmente complicado para o vice-presidente da Comissão, Frans Timmermans, que, em 2014, [ele também] prometeu, orgulhosa e vigorosamente, esse registo obrigatório”, continua ela.

Para um funcionário da Transparência Internacional, “voltar atrás neste ponto enviaria um sinal desastroso aos cidadãos, antes das próximas eleições”.

 

Fonte: https://www.lemonde.fr/les-decodeurs/article/2019/05/23/petit-guide-de-lobbyisme-dans-les-arenes-de-l-union-europeenne_5466056_4355770.html, publicado em 2019/05/23, acedido em 2019/05/24

Tradução do francês de MFO

 



 

 

 

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