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Eugénio Rosa

Em 5 anos (2018/2022), o governo pretende cortar 6.851 milhões €, a preços correntes de cada ano, nas despesas com pessoal das Administrações Públicas e 5.199,9 milhões €, também a preços correntes de cada ano, nas despesas com prestações sociais, o que totaliza … um corte de 12.050,9 milhões € nestas duas rubricas, que são fundamentais para a prestação de serviços públicos de qualidade … Mas já há 792 milhões € … para financiar o Fundo de Resolução, a fim deste apoiar a banca … esta política de cortes nas despesas dos serviços públicos e nas despesas com prestações sociais … atingirá principalmente os portugueses de baixos rendimentos, agravando as suas condições de vida e as graves desigualdades já existentes no país.

 

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Programa de Estabilidade 2018-2022: diminuição do défice à custa da redução percentual das despesas com pessoal (cortes de 6.851 M€) e com prestações sociais (cortes de 5.199 M€) e de uma taxa de investimento público inferior à média da União Europeia

O governo acabou de apresentar o seu Plano de Estabilidade para 2018-2022. A análise deste documento revela que o atual governo pretende reduzir de uma forma mais rápida o défice orçamental do que o inicialmente previsto (PE 2016/2020: 2017: -1,4%; 2018: -0,9%; 2019: -0,1%; 2020: +0,4%; PE 2018/2022: 2017: -0,9%; 2018: -0,7%; 2019: -0,2%; 2020: +0,7%; 2021: +1,4%; 2022: +1,3%), à custa fundamentalmente da redução, em percentagem do PIB, das despesas de pessoal da Função Pública e das despesas com prestações sociais e, também, por meio de uma taxa de investimento público inferior à da média dos países da União Europeia. Tal política, a concretizar-se, poderá agravar ainda mais o atraso do país e as desigualdades internas. É isto o que se vai mostrar neste estudo utilizando só dados oficiais.

A redução do défice orçamental que o governo pretende fazer obriga a cortes nas despesas com pessoal e com prestações sociais de 12.050,9 milhões €.

Em 2017, as despesas com pessoal de todas as Administrações Públicas (Central, Local e Regional) representou 11% do PIB. O governo pretende reduzir gradualmente esta percentagem de forma a que, em 2022, corresponda apenas a 10% do valor do PIB desse ano. No quadro 1 estão os cortes que o governo tenciona fazer em cada ano para que, em 2022, as despesas com pessoal da Função Pública representem apenas 10% do PIB (os valores que constam do quadro de cada ano é a diferença entre o valor que o governo quer gastar e o que se obtém calculando 11% do PIB desse ano). Em relação às despesas com prestações sociais fez-se idêntico cálculo. Em 2017, elas representavam 18,4% do PIB e o governo, para reduzir o défice, pretende reduzi-las gradualmente de forma a que, em 2022, correspondam apenas a 17% do PIB deste ano (os valores que constam do quadro de cada ano é a diferença entre o valor que o governo quer gastar e o que se obtém calculando 18,4% do PIB desse ano).

Quadro 1 – Cortes nas despesas com pessoal e nas despesas com prestações sociais, em cada ano, para obter a redução do défice constante do PE 2018/2022

 

Rubricas do Orçamento das despesas das Adm. Públicas

 

2018

M €

2019

M €

2020

M €

2021

M €

2022

M €

SOMA

M €

Cortes nas Despesas com pessoal das Adm. Públicas (redução de 11% do PIB para 10% do PIB entre 2017 e 2022 segundo o PE-2017-2022)

-440,8

-872,8

-1 337,3

-1 834,1

-2 365,9

-6 851,0

Cortes nas despesas com prestações sociais (redução de 18,4% do PIB para 17,7% do PIB entre 2017 e 2022 segundo o PE-2017- 2022)

-300,6

-519,5

-1 186,3

-1 453,9

-1 739,6

-5 199,9

SOMA

-741,4

-1 392,3

-2 523,6

-3 288,0

-4 105,5

-12 050,9

FONTE: Programa de Estabilidade - Tabela 2.a - pág. 48

 

Em 5 anos (2018/2022), o governo pretende cortar 6.851 milhões €, a preços correntes de cada ano, nas despesas com pessoal das Administrações Públicas e 5.199,9 milhões €, também a preços correntes de cada ano, nas despesas com prestações sociais, o que totaliza, como mostra o quadro, um corte de 12.050,9 milhões € nestas duas rubricas, que são fundamentais para a prestação de serviços públicos de qualidade (educação, saúde, etc.), para o aumento digno das pensões de reforma e aposentação e para o combate à pobreza no país. Mas já há 792 milhões € (quadro II.2.1, pág. 11) para financiar o Fundo de Resolução, a fim deste apoiar a banca, que é mais do dobro do previsto em 2018 destinado às progressões nas carreiras da Função Pública (352,7 milhões €, quadro II.2.4, pág.15 do PE). Esta é a verdade por trás das palavras de Mário Centeno, que procuram esconder esta realidade grave para a maioria dos portugueses. É evidente que esta política de cortes nas despesas dos serviços públicos e nas despesas com prestações sociais, para além de agravar as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores da Função Pública, atingirá principalmente os portugueses de baixos rendimentos, agravando as suas condições de vida e as graves desigualdades já existentes no país. Assim fica clara a razão por que Centeno pretende congelar os salários da Função Pública por mais anos e Vieira da Silva se recusa a eliminar o fator de sustentabilidade (os aumentos nominais mal dão para compensar a inflação num cenário invariante).

Continuação de uma taxa de investimento público inferior à média da UE

O investimento público é fundamental, não só para dotar o país das infraestruturas necessárias ao desenvolvimento (escolas, universidades, hospitais, transporte ferroviário e rodoviário, metro, habitação etc.), mas também para impulsionar o investimento privado.

Contrariamente ao que muitas vezes se diz ou pretende fazer crer, o investimento em Portugal, tanto público como privado, é significativamente inferior ao investimento médio na União Europeia, o que acabará por determinar que o nosso país divirja da média dos países da União Europeia. O Gráfico 1, construído com dados oficiais (Eurostat, INE, AMECO e PE-2018/2022) mostra isso com clareza.

Gráfico 1- Taxa de investimento total (público + privado) em Portugal e na UE e taxa de investimento público em Portugal e na UE, no período 2006/2019

Comecemos pelo Investimento Total (público + privado) em Portugal e na União Europeia a que se referem as linhas superiores do gráfico (Portugal: laranja; UE: azul). E a conclusão imediata que se tira é a seguinte: em 2006, o Investimento total em Portugal, medido em percentagem do PIB (22,5%) era superior à média da União Europeia medido também em percentagem do PIB (21,9%), o que contribuiu para que o país convergisse para a média europeia. O valor superior manteve-se, como mostram as linhas do gráfico, até 2010, verificando-se a partir desse ano, com o governo PSD/CDS e a “troika”, uma inversão de posições: o investimento total na União Europeia, medido em percentagem do PIB, passou ser mais elevado do que o realizado em Portugal, situação esta que não se alterou com o atual governo (em 2017, o Investimento Total em Portugal correspondeu a 16,1% do PIB, enquanto a média na UE atingiu 20,1% do PIB). E a previsão para o futuro feita pelo próprio governo é que essa situação se mantenha (por ex., em 2019: Portugal: 16,8% do PIB; UE: 20,7% do PIB). E estamos a falar de valores em % do PIB, pois no investimento por empregado o fosso é muito maior. Em 2017, o stock de capital por empregado, a preços de 2010, era, em Portugal, de 109.900 €, e a média na UE era de 179.100 €, ou seja, + 63%, o que determina que a produtividade por empregado seja muito inferior à da média da UE.

Situação muito semelhante se verifica em relação ao investimento público, ao qual se referem as duas linhas inferiores do gráfico (UE: linha cinzenta; Portugal: linha amarela). Até 2011, o investimento público em Portugal, medido em percentagem do PIB, foi superior ao verificado na UE o que contribuiu para que o país convergisse para média europeia; a partir desse ano, com o governo PSD/CDS e com a “troika”, o investimento público em Portugal, medido em percentagem do PIB, passou a ser inferior à média europeia, também medida em percentagem. E mesmo com o atual governo esta situação não se alterou, tendo até tendência para se perpetuar, como revelam os dados sobre o investimento público constantes do Programa de Estabilidade 2018/2022 (por ex., em 2019, o investimento em Portugal prevê-se que corresponda a 2,4% do PIB, enquanto o da média da UE será, de acordo com as previsões, 2,9% do PIB).

É evidente que, sendo o investimento total e o público, medidos em percentagem do PIB, sistematicamente inferior à média da União Europeia, Portugal está a divergir, e não a convergir para essa média. E isto tudo no “altar” da obsessão da redução défice.

Eugénio Rosa, edr2@netcabo.pt – 15-4-2018

 

Fonte: publicado em 2018/04/15, em http://www.eugeniorosa.com/Sites/eugeniorosa.com/Documentos/2018/20-2019-PE-2018-2020.pdf, acedido em 2018/04/17

 

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