Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]


Georges Gastaud [1]

[Este artigo é publicado em 2 partes; hoje, publica-se a primeira]

… a pertença formal a um partido abertamente reformista não é concebível, de um ponto de vista leninista – Lénine explica isso em detalhe em A doença infantil do comunismo – a não ser para assumir um constante dever de denunciar publicamente perante as massas as falhas da sua direção, de forma que os trabalhadores nunca confundam as turbulências de um aparelho reformista que os trai, com os marxistas que apenas aspiram servir a causa popular.

 

Sem Título2.jpg

Três conceções de reconstrução comunista estão, de facto, em competição na França. Os comunistas que realmente querem reconstruir este partido de combate que foi o Partido Comunista Francês (PCF) – e que, pouco a pouco, desnaturaram, desorganizaram e desacreditaram com o eurocomunismo dos anos 1970/1980 e a euromutação social-democrata dos anos 1990/2000 –, não devem lamentar-se por causa desta competição, que é, em suma, inevitável e natural no final de décadas de negações, dispersão e enfraquecimento do proletariado organizado, nem esperar passivamente que as divergências existentes entre os comunistas se resolvam milagrosamente. Devem antes refletir sobre o valor de cada um dos métodos de reconstrução que lhes são propostos e escolher entre eles, tirando, através do seu compromisso pessoal e da sua escolha organizativa, todas as conclusões práticas que resultem dos termos daquele compromisso pessoal.

I

Limites de uma luta puramente interna numa organização reformista

O primeiro método é o proposto pelos camaradas marxistas ou marxizantes que decidiram permanecer no PCF, independentemente do que possam dizer e fazer o aparelho e as direções do PCF. Esses camaradas consideram implicitamente que, independentemente de suas ações, o PCF é e sempre será o PCF, como se uma espécie de “essência” ou “natureza” metafísica insensível ao devir histórico lhe estivesse intimamente associada.          Em suma, estes camaradas agem como se a herança da palavra “PCF” –, desde a dinâmica organização leninista sucessivamente liderada por Cachin, Sémard, Thorez ou Waldeck Rochet, até a tímida organização social-democrata sucessivamente liderada por Hue, Buffet, Laurent e depois Roussel [2] – não colocasse qualquer particular problema. Como se a filiação de várias décadas do PCF ao “Partido da Esquerda Europeia”, subsidiado e apoiado por Bruxelas, fosse apenas uma brincadeira política. Como se o facto de o PCF ter – em 1976 (referência à ditadura do proletariado), 1979 (referências ao marxismo-leninismo e ao internacionalismo proletário), 1994 (referências ao centralismo democrático, à classe operária, ao marxismo, ao socialismo e à socialização dos meios de produção) – renegado todos os seus fundamentos, fosse uma questão acessória. Estes camaradas também agem como se o facto de, por duas vezes –, em 1981 (governo pré-maastrichtiano e ultra-atlantista de Mauroy, incluindo os “comunistas” Fiterman, Rigout, Ralite e Le Pors), depois, em 1996 (governo de Jospin, levando a cabo duas guerras imperialistas, preparando a passagem para o euro e privatizando o setor público, com a ajuda dos “comunistas” Buffet, Gayssot e Demessine) – fossem, afinal, simples incidentes da história comunista contemporânea. Não é muito grave aos seus olhos que o PCF de G. Marchais – cujo longo e contraditório interregno desempenha um papel central no lançamento da involução reformista – tenha aplaudido o que os russos agora chamam de “catástrofes” gorbatchovianas e que tenha qualificado, na altura, de “convulsões democráticas” ... a maior contrarrevolução da história moderna. Tampouco é impeditivo, aos olhos desses camaradas, decididamente muito indulgentes, que, desde 1976, o PCF tenha liquidado as suas células de fábrica, rompido os seus vínculos privilegiados com a CGT (que ela própria derivou, saindo da FSM “vermelha”, para se juntar aos amarelos da CES), e… perdido 9/10 do seu eleitorado proletário e da sua militância operária.

Afinal, o PCF não se continua a chamar “PCF” – mesmo se a sua direção tentou muitas vezes liquidar este nome e só renunciou a ele por medo de abandonar esta sigla aos militantes do Renascimento Comunista – e a denominação de um partido não é – na aparência! – o essencial, quando se trata de definir a sua identidade [3]? Ao mesmo tempo, logo que o PCF se afirmou como tal, e mesmo que o seu atual líder, Sr. Fabien Roussel, nunca perca a oportunidade de zombar fortemente do centralismo democrático e da herança soviética, ou mesmo de elogiar o escritor arquirreacionário Solzhenitsyn, e mesmo que o dito Roussel espezinhe alegremente a língua de Aragão e as Cartas francesas clandestinas, declarando discretamente a “Marianne” [a] que o “PCF está de volta!”, mesmo que ele prometa lealdade, em Paris, ao social-liberal Hidalgo e, no Norte, bastião de F. Roussel, aos verdes euro-federalistas e outros maastrichtianos do PS, tudo isso é de antemão declarado secundário: pois, no fundo, veja-se, o partido será sempre o partido, como um centavo sempre será um centavo e como Paris será sempre Paris [4]!

Abordagem histórica ou abordagem metafísica da “natureza” do PCF

O mais grave nesta abordagem fixista e quase metafísica da reconstrução comunista é que a pertença formal ao “partido”, tendo precedência sobre qualquer consideração de conteúdo político-ideológico, recusar-se-á a construir – embrenhando-se nesta postura de forma real e duradoura – um reagrupamento comunista atuante, visando enfrentar concreta e praticamente, sem esperar uma muito improvável recuperação do “Partido”, a União Europeia, este triturador do nosso país a curto prazo, a zona do euromarco, esta arma de destruição maciça das nossas indústrias e da nossa classe operária, a Aliança Atlântica, esta máquina de mundialização das predações estadunidenses, e o próprio capitalismo-imperialismo, este modo de produção que se tornou francamente exterminista e cuja manutenção, cada vez mais reacionária, ameaça de morte a humanidade e o seu meio ambiente terrestre. A tal ponto que o facto de partilhar o mesmo “cartão” político – sobre o qual, sem o menor debate interno, uma estrela adornada com um discreto ‘e’ substituiu o emblema operário e camponês, com Pierre, Fabien ou Marie-George [5] –, parece contar mais, aos olhos de alguns, do que o facto de estarmos todos juntos em ação do mesmo lado da barricada social contra o inimigo capitalista, contra a euro-desagregação maastrichtiana, contra o dissolvente tudo-inglês (minúsculos detalhes, tudo isto!), pela nacionalização democrática dos monopólios capitalistas e contra a criminalização pan-europeia do comunismo histórico, do seu emblema operário e do seu país pelo Parlamento Europeu ...

Entendamo-nos: não é o facto de manter ou não, aqui ou ali, uma filiação formal ao PCF que, por si, coloca um problema: cabe a cada um julgar se, localmente, essa filiação pode ou não facilitar-lhe o trabalho de sensibilização e de formação de alguns membros do PCF, e mesmo de certas células, ao marxismo-leninismo; mesmo que a experiência mostre que essas possibilidades são raras, cada vez mais raras –, já que a maioria dos verdadeiros marxistas deixaram o PCF (ou foram, de facto, excluídos) – e sendo certo que esta organização derivante se juntou, a longo prazo, no decurso de décadas de “mutação” social-democrata, com pequeno-burgueses ... anticomunistas e violentamente antissoviéticos, o PRCF nunca forçou ninguém a deixar o PCF, sendo, porém, a realidade dominante a de que muitos comunistas tiveram de abandonar o “novo PCF” à medida que o clima interno se tornou irrespirável para eles. E é bem verdade que, sem que o tivessem de qualquer forma combinado, dezenas de “antigos”  camaradas, designadamente de grandes lutadores da Resistência, que se aliaram ao PRCF ao longo dos anos, de St-Brieuc a Marselha e de Menton a Boulogne-sur-Mer, todos fizeram questão de declarar, em substância e de forma comovente, mesmo dolorosa, quando se juntaram ao Polo do Renascimento Comunista em França: “eu não deixei o Partido, foi ele quem me deixou”. Não, o que é perigoso na postura atentista e, aliás, seguidista, que aqui criticamos, é menos a adesão formal ao PCF-PGE, aqui ou ali, de tal ou tal camarada, do que o facto de, para valorizar, sobrepondo-se a tudo, a integração formal no “Partido” e o compromisso com os seus órgãos internos, se silenciar junto das massas populares as traições do aparelho em relação à classe, designadamente, sobre as suas repetidas fidelidades, nos momentos políticos decisivos, ao PS, ou mesmo à PGE, ou ainda a… Hollande ou Macron [6].

Mais uma vez, é um detalhe político se, em todas as eleições, legislativas, municipais, senatoriais, presidenciais, o PCF – quer seja dirigido pelo senador abertamente pró-socialista Pierre Laurent, quer seja representado, a nível europeu, pelo Sr. Ian Brossat ou quer tenha por secretário nacional o “comunista identitário” (?) Roussel –, se alia sistematicamente, ou tenta aliar-se, sempre em posição subalterna, com o PS e os Euro-Ecologistas, depois de todos os horrores que estes ferozes inimigos da República soberana, indivisível e social infligiram à França dos trabalhadores desde, pelo menos, o Tratado de Maastricht? Enquanto o “mínimo sindical”, se teimarmos em permanecer no “Partido”, é o de sublinhar as contradições, não minimizá-las, e denunciar ao mesmo tempo e dia após dia as lacunas gritantes do PCF oficial na luta de classes nacional e internacional [7]. E é porque não deixou de denunciar publicamente essas falhas que o autor destas linhas foi expulso manu militari do Partido, em 2004, assim como numerosos militantes de Lens, Liévin e Boulogne-sur-Mer, de uma federação que então se dizia “opositora”, mas que não queria romper, sobretudo num forte clima eleitoral, com a direção nacional do PCF e com o influente “barão” do norte Alain Bocquet, o ex-presidente do grupo parlamentar adepto da mutação que tinha sabido manter os deputados comunistas, dos quais devemos excluir o outro deputado nortista, George Hage [8], na órbita do governo Jospin, de 1997 a 2002 [9]...  

Em suma, a pertença formal a um partido abertamente reformista não é concebível, de um ponto de vista leninista – Lénine explica isso em detalhe em A doença infantil do comunismo – a não ser para assumir um constante dever de denunciar publicamente perante as massas as falhas da sua direção, de forma que os trabalhadores nunca confundam as turbulências de um aparelho reformista que os trai, com os marxistas que apenas aspiram servir a causa popular. Dir-me-ão que tal oposição pública é insustentável: mas se o é, de facto, como duramente o experimentámos, à nossa custa, em Lens e noutros lugares, é preciso tirar as consequências práticas e não permanecer mudo, ou quase, num tal partido, à custa da sua liberdade de expressão comunista. E se não o é, devemos aproveitar isso ao máximo, sem relutância, para denunciar o euro-reformismo e apelar aos trabalhadores para não confundirem o verdadeiro comunismo com sua desonrosa falsificação mutante. Caso contrário, condenamo-nos a acompanhar as derivas, a minimizá-las, a embelezá-las e a pintar de vermelho os inúmeros compromissos do aparelho PCF-PGE com a social-democracia, com o antissovietismo, com o antileninismo e com os social-maastrichtianos do Partido da Esquerda Europeia ...

Colocar em primeiro plano os prazos internos no partido reformista ou privilegiar os limites mínimos, abaixo dos quais não há partido comunista nem luta séria para mudar a sociedade?

Acima de tudo, esta forma de privilegiar “a luta interna” e as batalhas repetitivas de congresso em congresso não permite trazer à tona as candentes questões de classe, nem as questões nacionais e geopolíticas que, em concreto, moldam os reais contornos dos confrontos de classes, muito mais do que as moções A, B e C de um congresso (e as inevitáveis ​​“sínteses” de tipo social-democrata e outros arranjos entre dirigentes que seguem as ditas sínteses); com toda a lógica, a luta interna regressaria mais depressa aos iniciadores das citadas moções A, B ou C, a partir de questões concretas de classe e de massas, para que os próprios trabalhadores se tornem artesãos da reconstrução comunista: foi assim que procederam no Congresso de Tours de 1920 os signatários da moção Cachin-Frossard fortemente aconselhados por Lénine e Zetkin: a favor ou contra a guerra imperialista e a sagrada união social-chauvinista? A favor ou contra a adesão à Internacional Comunista ou pela permanência na Internacional Social-democrata amarela? A favor ou contra o apoio resoluto à revolução proletária na Rússia e na Alemanha? E, hoje, para fazer uma pergunta decisiva: “a favor ou contra” a manutenção da França no euro, na UE e na Aliança Atlântica? A favor ou contra a campanha europeia para criminalização da URSS e do comunismo histórico? A favor ou contra a manutenção das tropas francesas na África? A favor ou contra o euro-desmantelamento da República una e indivisível, parcialmente herdada de 1793, em benefício da Europa das regiões, das quais os Euro-Ecologistas verdes e o seu grande inspirador Cohn-Bendit são os mais ardentes promotores? Sem isso, está-se condenado a um arquiconfuso debate no congresso sobre uma candidatura “identitária” comunista à eleição presidencial; com, ao mesmo tempo, alianças municipais e regionais com os Verdes e o PS, também com a chave de um apelo ao voto em Macron ou Xavier Bertrand na segunda volta da eleição presidencial, o que, a partir de hoje, só pode alimentar, pelo ódio destes truques políticos, o perigoso voto lepenista ...

Como se vê, as coisas têm sua lógica: o primado, isto é, na realidade, a exclusividade resultante da pertença formal ao PCF-PGE e à “luta interna”, impede uma decisão no núcleo das questões relativas à luta de classes. Ao privilegiar esta pertença formal, ao cristalizar a discussão política sobre a apresentação ou não de uma “candidatura comunista” formal às eleições presidenciais – seja qual for o conteúdo programático e quaisquer que sejam as alianças eleitorais da “união de esquerda”, com o PS e os Verdes em todas as outras eleições – submete-se também, implicitamente, de baixo para cima, todo o aparato euro-reformista do qual o mutante PCF é um elemento subordinado, sendo a social-democracia e a eco-eurocracia as peças mestras deste dispositivo que encarcera a classe trabalhadora e priva as suas lutas de saída política, ainda que pouco ofensiva

E hoje, enquanto o nosso país se desintegra no ácido da “integração europeia”, do transatlântico inglês global, da marcha do exército europeu, do “pacto girondino”, do euro-separatismo (Alsácia, Córsega, Bretanha, “Catalogne-Nord” [Catalunha do Norte, Catalunha Francesa ou Roussillon], etc.) acompanhada por LAREM [A República em Marcha, de Macron] e EELV [Europa Ecológica os Verdes], da fascização e do Estado policial, impulsionado por sua vez por Le Pen e Macron [10], do nivelamento das conquistas conseguidas pelos ministros comunistas e marxistas-leninistas de 1945, o que é essencial para um comunista, para um patriota, para um internacionalista e também para a classe operária? É, em primeiro lugar, posicionar-se sobre todos estes grandes temas, unindo em cada questão os comunistas ainda ligados ao PCF com aqueles que tiveram a audácia de se organizar de forma independente, ao invés de dizer: “primeiro uma candidatura do PCF, o seu conteúdo ver-se-á pouco a pouco!”… E enquanto de congresso mutante em congresso mudado se fazem esforços para agarrar uns tantos por cento para a sua tendência e para o seu “texto alternativo”, a França, o emprego operário e os serviços públicos evaporam-se a grande velocidade em nome da sacrossanta “construção” europeia, o povo continua a não ter partido de combate à sua disposição, e limiares irreversíveis de decomposição social, institucional e linguística estão em vias de ser ultrapassados, sem que os marxistas, artificialmente separados pela muralha intangível da China de um mapa fetiche, possam sem demora agir em conjunto, ir às empresas com documentos comuns, denunciar Le Pen, desmascarando esta falsa patriota unida à EU e possam reconstituir uma organização disciplinada e clara sobre os conteúdos, da qual a classe operária, o mundo do trabalho e a defesa da PAZ e do meio ambiente têm uma vital e urgente necessidade!

Em suma, abaixo de um certo limiar ideológico e estratégico, não só uma dada organização não o é, não é mais comunista e não tem mesmo qualquer chance séria de o  voltar a ser, mas o que ela propõe sob o nome de “mudança” não pode de mudar a sociedade em nada nem satisfazer, por pouco que seja, a classe trabalhadora. Imagine-se, por exemplo (é uma hipótese académica, dada a relação de forças eleitoral) que F. Roussel se torna presidente e é incumbido de conduzir a política do país. Sem, portanto, sair da UE e do euro, “renegociando” os tratados europeus no quadro da UE [11], sem nacionalizar os bancos e o CAC 40 [12], pedindo educadamente ao BCE que negocie uma “viragem social”; sem ter, além disso, uma ideia clara, sem compreender o conceito de ditadura do proletariado, do que é um aparelho de Estado nas mãos do capital; sem sair da Aliança Atlântica (senão, o que diriam os “aliados” socialistas e “verdes”?) e sem tentar forjar, de forma ativa, vastas alianças defensivas com a China e com a Rússia para quebrar o estrangulamento germano-estadunidense que ameaçaria esmagar-nos; bem, um tal programa, inteiramente abaixo dos limites mínimos que permitiriam recuperar as alavancas do poder de classe, não teria qualquer chance de iniciar uma verdadeira mudança. Isso só traria, à maneira do Syriza na Grécia, a capitulação aberta perante o capital, o rápido retorno à família europeia, ou o colapso económico, com todos os perigos da ultrafascização que, em geral, precipita uma derrota aberta das forças progressistas.

II

A falsa boa ideia do “maior denominador comum

A segunda metodologia proposta para a reconstrução do Partido Comunista é a que consistiria em partir do desmoronamento existente (e, possivelmente, para efeitos da sua ultrapassagem ...), a fim de dizer, grosso modo: coloquemos em torno de uma mesa única todos os grupos que recusam, praticamente (uns mais “menos” do que “mais”, tanto se poupam mutuamente ...), o reformismo do PCF e que se referem ainda, mais ou menos simbolicamente, à foice e ao martelo, rejeitemos tudo o que os divide e mantenhamos como “programa comum” apenas o que os une. Tal é o método do “maior denominador comum” possível, que –, sem querer de modo algum insultar alguém (pode acontecer que sobre um determinado ponto os bolcheviques raciocinem como mencheviques ...) –, chamaremos de método menchevique. Foi realmente este que, tal e qual, prevaleceu em França, em 1905, para unificar o Partido socialista SFIO/França, misturando os reformistas, os anarquistas e os revolucionários ... e resultando na negação total do socialismo internacionalista, excluindo Jaurès, durante o teste da verdade de 1914. Foi também este método que os mencheviques russos defenderam no início do século e que Lénine recusou categoricamente, porque só poderia levar a sínteses impotentes, a mascarar divisões, agravando-as a todas, a impedir toda a delimitação clara, seja em termos de composição partidária, de definição organizativa, de referências ideológicas, de objetivos programáticos e de métodos de luta, sem falar da absolutamente indispensável disciplina, se se quer realmente realizar uma revolução ou resistir a uma contrarrevolução. Um tal método, aceitável dentro de certos limites, quando se constrói uma frente ampla com objetivos limitados (paz, independência nacional, liberdades ...), só pode levar ao amargo fracasso quando se trata de construir um partido comunista, isto é, um partido de vanguarda do proletariado que tem como missão orientar a classe e permitir-lhe dirigir a vasta aliança de classes indispensável para derrotar o grande capital e, depois, resistir à inevitável contrarrevolução nacional e internacional que não deixaria de se erguer, inclusive com violência, contra o novo poder.

O contraexemplo da Rifondazione comunista (Itália)

Podemos também analisar a inanidade desta metodologia menchevique na Itália dos últimos anos: de facto, durante a autoliquidação do PCI, seguindo o apelo dos renegados Achille Occhetto, Massimo D'Alema e C.ª, todos os tipos de correntes que se afirmaram mais ou menos comunistas se juntaram para formar o “Partido da Refundação Comunista” (“Rifondazione”, para abreviar) –, os comunistas italianos, teoricamente saídos da Terceira Internacional, consentindo em dissolver-se neste magma pseudo-“unitário” onde predominavam os trotskistas e os “movimentistas”, entre eles e na primeira fila o líder do novo partido, Bertinotti; em suma, a um partido autoliquidado, o ex-PCI, sucedeu um partido imediatamente votado à autoliquefação, a Rifondazione. No final, uma experiência muito negativa, dado que esta maneira de fazer as coisas levou, logicamente, à paralisia e à implosão da Rifondazione e esta segunda dissolução ampliou terrivelmente o desânimo no movimento comunista transalpino: chegou a tal ponto que, a seguir ao movimento comunista italiano organizado, foi a própria esquerda italiana –, incluindo a social-democracia clássica, na medida em que ainda estava vagamente ligada ao movimento operário –, que desapareceu, de tal forma que não há mais no parlamento italiano nem um deputado comunista ou socialista, ainda que vagamente “rosado”! Em suma, em matéria de reconstrução comunista, como no domínio amoroso, “quem abraça demais abraça mal”, pois a confusão entre partido e frente é destrutiva tanto para o partido –, que ela constrói como uma frente, de forma muito difusa e exageradamente “acolhedora” –, e para a própria frente popular, que ela tende a absorver de forma estreita no seio do partido. Sob este aspeto, os nossos camaradas venezuelanos teriam, sem dúvida, muito a dizer da sua experiência sobre estas construções, que tendem a confundir a frente e o partido de vanguarda ...

O método do “maior denominador comum” ignora os limites mínimos abaixo dos quais não há, nem Partido Comunista, nem sequer o início de uma luta pela mudança da sociedade.

Mas, sobretudo, nas condições atuais, a segunda metodologia menchevisante que aqui analisamos apresenta o mesmo vício de forma, impeditivo de alcançar o objetivo pretendido, que apontámos a propósito da primeira metodologia, a que favorece a luta de tendências dentro do PCF: a segunda perspetiva não ignora menos do que a primeira esta evidência que Lénine recordou incessantemente contra os mencheviques e os seus amigos trotskistas, de que, abaixo de um certo limiar ideológico, organizativo e estratégico, não só um determinado partido não é e não se pode tornar um partido comunista, não só não pode realmente, supondo que o queira, mudar a sociedade – uma impotência que a classe operária nota à primeira vista (ela diz para si: estes atrevidos encostam-nos à parede, eles próprios não sabem o que querem; ora, para nós, operários, a vida é já dura o suficiente sem nos entregarmos a estas diversões potencialmente mortais!) –, mas também não pode de forma alguma interessar à classe trabalhadora: instintivamente, esta rapidamente percebe que o espírito de politiquice e os seus pequenos arranjos baseados na luta de lugares paralisarão de antemão estas construções “comunistas” desprovidas de rumo, de cimento organizativo e de programa claro.

(continua)

Notas

[1] Autor, designadamente, de  Mondialisation capitaliste et projet communiste [Globalização capitalista e projeto Comunista] (1997) e Nouveau défi léniniste [Novo desafio leninista] (2017).

[2] Excluo Georges Marchais desta lista: é sob a sua autoridade que as mais graves derivas se concretizaram, nos 22.º, 23.º, 24.º, 28.º Congressos, que se consumou a rutura com o Movimento Comunista Internacional, que o PCF aderiu ao Bloco fracionista “eurocomunista”, liderado por Berlinguer (PC italiano) e Carrillo (PC de Espanha), que o PCF ingressou – recuando, certamente – no governo pré-maastrichtiano e social-atlantista de Mauroy (1981), tudo sob a influência de intelectuais de choque antissoviéticos e antileninistas como Ellenstein, Damette, Juquin, Martelli, etc. No entanto, deve reconhecer-se que Marchais, apesar de tudo,  pelas suas origens operárias e a sua ancoragem no que eu chamaria de “antigo partido”, foi capaz de resistir episodicamente e de maneira confusa e inconsequente a essas derivas destrutivas. Ele desconfiava visceralmente de Mitterrand e da social-democracia e sempre tentou combinar a defesa da classe operária com a da nação (por exemplo, durante a bela batalha do Não a Maastricht, liderada pelo PCF, em 1992, antes de, muito rapidamente, se reunir sob a égide de Francis Wurtz à funesta teoria da “reorientação progressista da UE”). O longo e mui contrastante mandato de Marchais à frente do PCF foi, assim, marcado por uma série de ziguezagues políticos, tentativas de endurecimento –, veja-se a recomunização parcial –, sucedendo-lhe, de forma inconsequente e abrupta, irremediáveis fases ​​de vergonhosas ondas revisionistas, antissoviéticas e direitistas. Mas, globalmente, foi a vertente direitista que triunfou e acabou por afastar Marchais: depois de ter patrocinado o hiperoportunista Robert Hue, então líder dos eleitos do PCF, G. Marchais não demorará a ser desumanamente humilhado pela camarilha renegada de Hue, que o ex-deputado de Val-de-Marne tinha imprudentemente colocado à frente do PCF.

[3] Isso é, evidentemente, falso. Embora o nome de um partido seja uma questão muito importante, vimos autênticos partidos marxistas-leninistas, como o SED da Alemanha de Leste, permanecerem o “partido dos comunistas” mesmo mudando de nome (SED significa Partido Socialista Unificado da Alemanha), enquanto, ao contrário, vimos alguns com o título de “PC” descomunizarem-se totalmente – por exemplo, o PC de Espanha, de Santiago Carrillo (que acabou a sua triste carreira de renegado como colunista do principal jornal burguês espanhol ...). Para dar um exemplo ainda mais direto, já se passaram ... 107 anos desde que o Partido “socialista” francês se chama assim, ainda que, desde 1914, esta organização não cessasse de ser, nas palavras de Léon Blum, não pela construção do socialismo (embora o PS, aliás SFIO, tenha várias vezes liderado o governo), mas o “leal administrador do capitalismo”.

[4] Mesmo se esta cidade ... que já mudou de nome, diga-se de passagem, complete a sua anglicização galopante e deixa de ser principalmente a capital francesa para se tornar o centro do euro-polo ‘franciliano’ [de Ile-de-France]? Porque isso é o que queria, muito explicitamente, o ex-presidente “socialista” da região franciliana, o sinistro Jean-Paul Huchon (veja-se o seu livro “De battre ma gauche s’est arrêtée” [“De bater a minha esquerda parou”]), então unido aos “comunistas” no seu Conselho regional?

[5] O destrutivo e politicamente indecente Robert Hue fez-se, entretanto, eleger senador numa lista do PS, antes de apelar ao voto em Macron na primeira volta das eleições presidenciais, à semelhança do ex-ministro “comunista” Gayssot ...

[6] Por exemplo, a votação pelos deputados do PCF da lei Molac (abril de 2021) que incentiva a euro-regionalização linguística da França, ou, por exemplo, o voto do estado de emergência pelo grupo “comunista”, em 2015, sabendo que este estado de emergência não poderia deixar de ser utilizado contra a classe operária, como muito rapidamente se viu na altura em que Valls era Ministro do Interior, depois Primeiro Ministro… É preciso, obviamente, combater o terrorismo islâmico, mas não sob a liderança de governos burgueses, cuja política global, tanto externa quanto interna, alimenta o terrorismo. Tampouco devemos combater o fundamentalismo salafista como o fez o ex-deputado do PCF, André Gerin, quando flirtou com Sarkozy nesse terreno pseudorrepublicano.

[7] É isso que o autor destas linhas se honra de ter feito quando era secretário da seção de Lens do PCF, especialmente na época do governo Jospin-Buffet: nem uma edição de L'Incorruptible, o jornal da seção de Lens do PCF, alguma vez saiu da impressora sem que este governo social-imperialista (guerra na Iugoslávia, designadamente) e social-maastrichtiano (preparação para a mudança para o euro, privatização da France-Telecom, da Air-France, etc.), ministros “comunistas” incluídos, fosse claramente denunciado aos trabalhadores de Lens. Numa outra escala histórica, poder-se-ia imaginar Rosa Luxemburgo ou Karl Liebknecht continuarem como membros do SPD (ainda formalmente marxista) sem denunciar a sua linha imperialista durante a guerra de 1914/18? A própria Rosa disse, das profundezas da sua prisão do Império, e enquanto ainda era membro, formalmente, do SPD, que “a social-democracia nada mais é do que um fétido cadáver”. A falha tática de Rosa aos olhos de Lénine terá sido a de ter permanecido muito tempo no seio do SPD, de ter atrasado muito a criação do Partido Comunista da Alemanha (o KPD). Ao ponto de, enquanto a insurreição proletária terá tomado o seu impulso na Alemanha, o proletariado deste país não terá podido dispor plenamente de um partido de combate disciplinado e capaz de dirigir a ofensiva. Da Comuna de Paris à insurreição spartaquista, ambas selvaticamente reprimidas, a questão principal permanece e continua uma verdadeira cruz para todos os elementos centristas que desejam cultivar eternamente o marxismo num quadro social-democrata: a da separação organizativa entre revolucionário e reformista. Resumindo, a questão do Congresso de Tours, que não ficou atrás, mas À FRENTE de nós!

[8] ... então presidente honorário da FNARC, a organização que precedeu o PRCF.

[9] Não se sabe se, à época, Fabien Roussel foi referido por uma qualquer oposição ao governo social-privatizador de Jospin, no qual participava sem estados de alma exagerados a senadora “comunista” do norte, Michèle Demessine ...

[10] Uma votação em Macron na segunda volta, que a liderança do PCF se atreveu a apresentar como uma possível barragem à extrema-direita, em maio de 2017 ... Como as federações do Norte e Pas-de-Calais do PCF não tinham medo, seria vergonhoso apoiar Xavier Bertrand apresentando-o, na segunda volta, como uma “barragem” à FN, nas precedentes regionais …

[11] Propósito que, na melhor das hipóteses, não significa nada e quer dizer que se fica saindo, que não tem nenhum tipo de credibilidade (para renegociar os tratados é preciso o acordo dos 27 governos europeus, uns mais à direita do que os outros, até à extrema-direita: Polónia, Hungria, Estados Bálticos, etc.) e que, mesmo que se concretizasse, só poderia conduzir à ruína rápida da França, uma vez que, enquanto decorressem as negociações, o nosso país sofreria enormes sangrias especulativas e não seria capaz de se defender, não tendo restaurado a sua soberania monetária ...

[12] Contornando a questão sempre decisiva das nacionalizações (a palavra “nação” tornou-se quase um tabu), o programa atual do PCF não é apenas inferior ao programa comum PS/PCF de 1972, nem apenas muito inferior ao do PCF sozinho de 1971 (intitulado “Mudar de rumo”), mas está mesmo muito aquém do PS Mitterrandiano dos anos 1970 ... Sei bem que o PS não tinha qualquer intenção real de aplicar o seu programa. Mas o que dizer de um partido “comunista” que, antes mesmo de estar ao pé do muro, começa por aplainar as suas próprias intenções? Recorde-se que, em 1976, o programa comum PC/PS rebentou na questão das nacionalizações, tendo G. Marchais acertadamente julgado que, abaixo de um certo patamar de nacionalizações democráticas, o futuro governo de união popular não teria certamente em mãos as mínimas alavancas económicas necessárias para a sua política. Mas esta noção de um “limite mínimo” de nacionalizações parece que saiu totalmente da cabeça de muitos atuais comunistas ...

Nota do tradutor

[a] Marianne é a figura alegórica de uma mulher que representa a República Francesa e a permanência dos valores da república e dos cidadãos franceses: Liberté, Égalité, Fraternité (Liberdade, Igualdade e Fraternidade). 

Fonte: https://www.initiative-communiste.fr/articles/prcf/trois-manieres-de-concevoir-la-reconstruction-du-parti-communiste-par-georges-gastaud/, acedido em 2021-04-28

Tradução do francês de PAT

 

Print Friendly and PDF

Autoria e outros dados (tags, etc)



Nota dos Editores

A publicação de qualquer documento neste sítio não implica a nossa total concordância com o seu conteúdo. Poderão mesmo ser publicados documentos com cujo conteúdo não concordamos, mas que julgamos conterem informação importante para a compreensão de determinados problemas.


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.